OBarrete

Porque A Arte Somos Nós

viva o rock brasileiro #22

1989 vê surgir um dos discos mais importantes do Rock Brasil e da história dos Legião Urbana, “As Quatro Estações”. Já sem o baixista Renato Terra, o grupo esmera-se para produzir uma verdadeira obra de arte. A setlist apresenta:

Há Tempos

Pais E Filhos

Feedback Song For A Dying Friend

Quando O Sol Bater Na Janela Do Teu Quarto

Eu Era Um Lobisomem Juvenil

1965 (Duas Tribos)

Monte Castelo

Mauricio

Meninos E Meninas

Sete Cidades

Se Fiquei Esperando Meu Amor Passar

Como a rádio era a grande difusora de música à época, emplacar dois ou três hits era o ideal. Imaginem um disco que tocou muito bem em todas as suas faixas. Um sucesso estrondoso, incensado pelos fãs e pela crítica especializada, e o grupo nos concertos apresentando-se com muito carisma, por mais que os Legião tivessem no currículo um concerto em Brasília, capital do país e a sua cidade de origem, com muita confusão e uma apresentação bêbada e irresponsável de Renato Russo. Mas ao génio tudo se perdoa. Muito pop, mas com ares cult, o grupo acaba exigindo bastante e os concertos passam a ser raros, mas ao acontecer, é quase uma celebração de legionários.

Renato Russo, Dado Villa-Lobos, Marcelo Bonfá: os Legião Urbana em 1989

Para os leitores do Barrete, um carinho: a canção baseada no icónico poema de Luís de Camões (1524-1580), Monte Castelo. Segue a letra:

Ainda que eu falasse a língua dos homens

E falasse a língua dos anjos

Sem amor eu nada seria

É só o amor, é só o amor

Que conhece o que é verdade

O amor é bom, não quer o mal

Não sente inveja ou se envaidece

O amor é o fogo que arde sem se ver

É ferida que dói e não se sente

É um contentamento descontente

É dor que desatina sem doer

Ainda que eu falasse a língua dos homens

E falasse a língua dos anjos

Sem amor eu nada seria

É um não querer mais que bem querer

É solitário andar por entre a gente

É um não contentar-se de contente

É cuidar que se ganha em se perder

É um estar-se preso por vontade

É servir a quem vence, o vencedor

É um ter com quem nos mata a lealdade

Tão contrário a si é o mesmo amor

Estou acordado e todos dormem

Todos dormem, todos dormem

Agora vejo em parte

Mas então veremos face a face

É só o amor, é só o amor

Que conhece o que é verdade

Ainda que eu falasse a língua dos homens

E falasse a língua dos anjos

Sem amor eu nada seria

Pais E Filhos é um desabafo sobre a incompatibilidade e incompreensão da cena do suicídio da adolescente que se atira do 5.º andar, pois bem, em guisa de homenagem, fiz uma das minhas personagens do livro “A Queda” cair deste andar. Foi uma menção inconsciente. Vale muito a pena ler a letra. 1965 (Duas Tribos) é um rock super agitado num disco com uma pegada mais pop.

Meninos E Meninas dá o tom confessional da homossexualidade de Renato, algo que o discreto músico só iria admitir depois. Não que fosse crime, mas a patrulha moralista da sociedade recriminava e discriminava à época, e havia quem afirmasse, tristemente, que a AIDS (SIDA) era um castigo divino para os não hetero. É duro lembrar estes preconceitos infelizes.

Renato Russo ao vivo

Sobressai-se os versos livres e as letras como se fossem crónicas, não se ajustando em refrões bobos. Tudo isso é lirismo e da melhor qualidade. Eu Era Um Lobisomem Juvenil é uma das que mais gosto, e vai assim:

Luz e sentido e palavra, palavra

É que o coração não pensa

Ontem faltou água

Anteontem faltou luz

Teve torcida gritando

Quando a luz voltou

Não falo como você fala

Mas vejo bem

O que você me diz

Se o mundo é mesmo

Parecido com o que vejo

Prefiro acreditar

No mundo do meu jeito

E você estava esperando voar

Mas como chegar até as nuvens com os pés no chão?

O que sinto muitas vezes

Faz sentido e outras vezes

Não descubro um motivo

Que me explique porque é

Que não consigo ver sentido

No que sinto, que procuro

O que desejo e o que faz parte

Do meu mundo

O arco-íris tem sete cores

E fui juiz supremo

Vai, vem embora, volta

Todos têm, todos têm

Suas próprias razões

Qual foi a semente que você plantou?

Tudo acontece ao mesmo tempo

Nem eu mesmo sei direito

O que está acontecendo

E daí, de hoje em diante

Todo dia vai ser o dia mais importante

Se você quiser alguém pra ser só seu

É só não se esquecer, estarei aqui

Se você quiser alguém pra ser só seu

É só não se esquecer, estarei aqui

Não digo nada

Espero o vendaval passar

Por enquanto eu não sei

O que você me falou

Me fez rir e pensar

Porque estou tão preocupado

Por estar

Tão preocupado assim

Mesmo se eu cantasse

Todas as canções

Todas as canções

Todas as canções

Todas as canções do mundo

Sou bicho do mato mas

Se você quiser alguém pra ser só seu

É só não se esquecer, estarei aqui

Se você quiser alguém pra ser só seu

É só não se esquecer, estarei aqui

Se você quiser alguém pra ser só seu

É só não se esquecer, estarei aqui

Se você quiser alguém pra ser só seu

É só não se esquecer, estarei aqui

Ou então não terás jamais

A chave do meu coração

Um disco que não me canso de ouvir, ainda mais devido ao facto de ter sido o segundo e último LP comprado pela minha patroa da tasca à época e devo admitir que o lirismo do conjunto me impressiona até hoje. Cult e celebrado, estranho e sentimental, Renato Russo vira uma espécie de irmão mais velho de adolescentes que simplesmente o idolatram, tipo ele no céu e Jesus Cristo na terra. Muito merecido!

Marcelo Pereira Rodrigues

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