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Porque A Arte Somos Nós

Dois anos após o fim da Segunda Guerra Mundial (1947), Hollywood atravessava um dos seus períodos mais prolíficos, com o preto e branco ainda em voga, ou em linguagem cinematográfica: o film noir. Narrativas cheias de mistério inundavam as salas de cinema norte-americanas, tentando retratar e explicar o imaginário de milhões de pessoas, ou então, revelar o verdadeiro truque de “magia”. O exercício que o realizador britânico Edmund Goulding faz com “Nightmare Alley” vai de encontro com as premissas mencionadas no início do texto, protelando a ambição e a genialidade à decadência do espírito humano.

Stanton Carlisle, um personagem carismático e exemplarmente interpretado por Tyrone Power, é um artista de circo que desde cedo espreita a oportunidade para explorar a sua capacidade em ler a mente das pessoas, ou melhor dizendo, em dominar o “código”. Código este bastante original, um número a dois que é peça chave em toda a trama narrativa. Este foi ensinado a Stanton por Zeena Krumbein (Joan Blondell), o mais aproximado de uma figura materna para o jovem leitor de mentes, que carrega consigo uma energia peculiar que acaba por ser decisiva no seu percurso de vida.

Escrito por Jules Furthman e baseado na obra literária de William Lindsay Gresham, editada em 1946, um ano antes da adaptação cinematográfica (1947), “Nightmare Alley” caminha a um ritmo bastante prolífico, não havendo tempos mortos e não insistindo em cenas histéricas ou numa comédia barata (muitas produções hollywoodescas, por vezes, abusavam desta técnica). O salto é dado até ao estrelato, com Stanton e Molly (Coleen Gray), a sua paixão dos tempos do circo, a chegarem à alta sociedade deixando assim para trás uma vida de preocupações e salários miseráveis, podendo agora o casal não olhar a custos. Ao contrário de Molly, que sempre se manteve humilde até ao final do filme, Stanton queria mais…

Mike Mazurki (Bruno), Tyrone Power (Stanton Carlisle), Coleen Gray (Molly) e Joan Blondell (Zeena Krumbein)

O nosso personagem principal, para além de ser oportunista e perspicaz, parece constantemente amaldiçoado com algo (que o digam as cartas Tarot de Zeena), criando uma espécie de mistério, por vezes com toques de terror, em torno de Stanton. Convém não esquecer o que o catapultou para o estrelato: a morte do então companheiro de Zenna, Pete (Ian Keith), um homem que se deslumbrou com a fala e acabou rendido à insanidade do álcool. O verdadeiro detentor do código, que Stanton “matou” (supostamente!) de forma involuntária. Este é um exemplo das qualidades de “Nightmare Alley”, pois deixa no ar questões pertinentes que apimentam o seu lado negro.

Negro pois falamos constantemente do oculto, de modo que Edmund Goulding consegue levar a obra numa direção algo surrealista, nunca esquecendo o verdadeiro motivo narrativo dos seus personagens. A entrada em cena de Lilith Ritter (Helen Walker), uma psicóloga que se atreve a desafiar Stanton em plena atuação, é outro fator decisivo na história, revelando-se também um peso na balança entre o real e o irreal. Sendo esta última a confidente das pessoas mais influentes da cidade, Stanton vê em Lilith a oportunidade perfeita para extorquir estes homens e mulheres abastados, ganhando ainda mais mediatismo e, por consequência, mais espetáculos.

De forma previsível, “Nightmare Alley” entra em rutura, com uma pequena ação a ser o suficiente para desmanchar todo um esquema de interesses económicos e egocentristas. Para film noir, este trabalho acaba por ganhar uma marca muito própria na forma como aborda a psicologia humana, assim como o mistério nela contido. Lilith Ritter trai Stanton e busca apenas um ganho fácil de dinheiro, contudo, a verdadeira importância do seu papel está quando “convence” o seu companheiro de negócios de que este necessita internamento psiquiátrico. Seria tudo isto um sonho? Seria realmente Stanton um médium, ou sofreria de esquizofrenia?

Tyrone Power (Stanton Carlisle) e Helen Walker (Dr. Lilith Ritter)

No terceiro ato, assistimos a uma decadência diria necessária por parte do personagem de Tyrone Power, com o universo a repor o seu equilíbrio. Havendo uma tentativa constante de “Nightmare Alley” em desvendar o oculto, a obra cria alguma mística em todo este número de vigarice. Tal como nas cenas do filme “Lua de Papel” (1973), quando Annie e Moses tentam extorquir dinheiro através de um jogo de trocos, Stanton procura ir ao encontro da sensibilidade das suas vítimas, para assim manipular as suas emoções. Genial, mas falível. Tanto o é que o final do artista revela-se triste e penoso, mas acima de tudo, uma machadada moral.

Nas suas entrelinhas, “Nightmare Alley” nunca desiste da ideia de justiça divina, que por mais que procuremos ir por caminhos mais sinuosos, todos acabamos por ter o que merecemos. Haverá algo pior do que ter o mesmo destino de alguém que desprezamos e troçamos? Não me parece. Com toques de thriller e bons diálogos, este filme de uma hora e cinquenta minutos não desiste do seu público, acrescentando sempre pequenos ingredientes que nos fazem ansiar por mais drama e mistério a um conjunto de personagens que simplesmente lutam pela sua sobrevivência.

Rating: 3 out of 4.

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IMDB

Rotten Tomatoes

2 thoughts on ““Nightmare Alley”: Falsas ligações

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