O calibre dos filmes que se ficam por menções honrosas revela desde logo o quão difícil foi chegar ao pódio final. Este ano, “X“, de Ti West, “Alcarràs“, de Carla Simón e “Reunião“, de Fran Kranz foram as produções que não levaram a medalha, mas saíram com um chorudo certificado. São recomendações automáticas por razões diferentes, o que reflete a diversidade e riqueza narrativa de 2022, um ano que será recordado com carinho no plano cinematográfico.
Sem mais demoras, no décimo lugar cabe a longa-metragem do cineasta tailandês Apichatpong Weerasethakul, “Memoria“. Uma peça de cinema lento encabeçado pela camaleónica Tilda Swinton que oferece uma experiência audiovisual enigmática. Desconcertante até. Cruza, na sua esfera de interesses, espiritualidade e metafísica, sempre com recurso a planos extremamente longos, às vezes hipnóticos. Tem, parece-me, as virtudes que vão torná-lo resistente à erosão do tempo.
Enquanto a maioria das estórias vêm e vão, existem personagens, eventos e interações cujo apelo é virtualmente infinito. É o caso do romance de Erich Maria Remarque, “Im Westen nichts Neues“, reinventado para o grande ecrã pelo alemão Edward Berger. Embora tenha encontrado na Netflix um habitat (pouco) natural, é um filme antibelicista que exige as melhores condições técnicas possíveis. Recorda-nos dos horrores da guerra, a sua futilidade e de que, para desgraça de muitos, a humanidade está nas mãos de poucos.

Em oitavo lugar, um pequeno filme de uma grande cineasta: “Petite Maman – Mamã Pequenina“, da francesa Céline Sciamma. Um drama em miniatura que interseta a protagonista com uma pessoa muito especial. Num registo de realismo mágico, Sciamma transporta-nos para um mundo gentil e inocente. O mesmo registo utilizado pela minha sétima escolha, “Das Profundezas“, de Michelangelo Frammartino, ainda que para fins distintos. Nesta saga tão antropológica como divina, os feitos de um grupo de espeleólogos italianos são elevados a um patamar espiritual – aspeto reforçado por planos bucólicos magistrais.
De Itália viajamos até ao Japão, onde repousa o cinema contemplativo de Ryûsuke Hamaguchi. Premiado pela Academia com a estatueta de Melhor Filme Internacional, “Drive My Car” representa três horas de nuance e arte de bem filmar. Empacotadas numa história sobre remorso, solidão partilhada e, quem sabe, alguma harmonia. Um estado de graça também procurado pela família central de “Estrada Fora“, a estreia do realizador iraniano Panah Panahi. Em 2022, o Irão teve uma sucessão de estreias bem-sucedidas e este road movie foi uma gema à espera de ser descoberta. Bem-humorado e com a melhor interpretação infantil do ano, é difícil não ceder ao seu encanto trágico, com uma direção de fotografia constantemente admirável.
De mansinho, estamos top 5 adentro, com o número quatro reservado para o surpreendente “Onoda, 10 000 nuits dans la jungle“, do francês Arthur Harari. A dramatização da história de um japonês que recusa acreditar que a Segunda Guerra Mundial terminou. É mais uma prova de que a realidade pode ser mais estranha do que a ficção. No entanto, é a complexidade de Harari no retrato psicológico do protagonista que proporcionou uma aventura comovente e digna do lugar que ocupa.

Mudamos de registo para o único documentário desta lista. Um filme que, suponho, irei rever algumas vezes pela experiência caleidoscópica que proporciona. Falo de “Moonage Daydream“, um trabalho colossal do norte-americano Brett Morgen que trata a jornada criativa e musical de David Bowie. Em suma, é um objeto de cinema que é mais do que a soma das partes. Capta um vislumbre da energia e espírito da personalidade que explora e está, claro, abençoado por uma banda sonora eletrizante.
Perto do cume da montanha, um filme que me devastou emocionalmente: “Decisão de Partir“, um neonoir romantico de Park Chan-Wook. O cineasta sul-coreano deixa de lado a violência física e a luxúria que marcam a sua filmografia para abraçar as torturas do coração. Por meio de uma realização extraordinária, somos conduzidos para mistérios reais e sentimentais, numa história repleta de camadas que tanto gozo dão descascar.
A rematar o top 10, o filme que se manteve em primeiro lugar desde que o vi e que nenhum outro conseguiu destronar. Realizado pelos norte-americanos Dan Kwan e Daniel Scheinert, o irrepetível “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo“. Uma amálgama de géneros cinematográficos que comenta na perfeição sobre o que significa viver no pós-modernismo e na era da informação. Tem um núcleo temático bastante filosófico, sem abdicar do entretenimento que tantas vezes fica de lado quando se trata destas matérias mais densas. Este é, sem dúvida, o multiverso que merece o vosso tempo. O melhor filme de 2022.

TOP 10
1.º “Everything Everywhere All at Once” (“Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo”), Dan Kwan e Daniel Scheinert
2.º “Decision to Leave” (“Decisão de Partir”), Park Chan-Wook
3.º “Moonage Daydream“, Brett Morgen
4.º “Onoda, 10 000 nuits dans la jungle“, Arthur Harari
5.º “Hit the Road” (“Estrada Fora”), Panah Panahi
6.º “Drive My Car“, Ryûsuke Hamaguchi
7.º “Il buco” (“Das Profundezas”), Michelangelo Frammartino
8.º “Petite Maman” (“Petite Maman – Mamã Pequenina”), Céline Sciamma
9.º “All Quiet on the Western Front“, Edward Berger
10.º “Memoria“, Apichatpong Weerasethakul
MH 1: “Mass” (“Reunião”), Fran Kranz
MH 2: “Alcarràs“, Carla Simón
MH 3: “X“, Ti West
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