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“Mass” (2021) conta a história de dois casais que partilham entre eles uma grande tragédia, uma obra escrita e realizada por Fran Kranz, naquela que é a sua primeira longa-metragem. De facto, “Mass” não é um filme muito usual, em primeiro lugar, porque tem um cast reduzido, no qual temos apenas quatro protagonistas – Jay (Jason Isaacs), Gail (Martha Plimpton), Linda (Ann Dowd) e Richard (Reed Birney) –, e também a ação principal acontece num espaço reduzido, sendo que grande parte do filme se passa numa sala e é onde, de facto, tudo se desenrola.

Efetivamente, “Mass” possuí um nível bastante elevado em termos da sua narrativa e de aquilo que os diálogos conseguem ter como fonte para fortalecer o filme, pois estamos perante uma história que pega em temas muito fortes e dolorosos, e pessoas que obviamente podem não ter passado por isso, conseguem entrar dentro das nossas personagens e sentir a sua dor – dor essa que é espelhada de uma forma brilhante por parte dos nossos protagonistas. São interpretações, sobretudo as de Jason Isaacs (Jay) e Martha Plimpton (Gail), absolutamente brilhantes, que passam para o ecrã uma dor inabalável, irremediável e bastante profunda.

Jay (Jason Isaacs), Gail (Martha Plimpton)

Portanto, e nesse sentido, conseguir juntar num espaço reduzido diálogos absolutamente profundos, marcantes e emotivos, e interpretações acima da média, é algo bastante difícil de se fazer, ainda para mais pegando num tema que poder-se-ia esgotar per si, mas que dentro dele, dentro deste filme, conseguimos ir tocando em certos sub-temas, algo que aprofunda ainda mais a obra, a narrativa e a reflexão geral sobre a humanidade.

Porque este é um filme que, pegando em algo que é bastante doloroso, consegue transmitir um lado bastante humano e que levamos connosco ao longo da vida, ou seja, tem uma mensagem muito profunda, marcante, dura, mas, acima de tudo, convida-nos a refletir. Estamos perante, certamente, um dos filmes mais intensos dos últimos tempos: duro na sua mensagem e duro na sua consistência.

Além disso, “Mass”, tocando no tema das armas nos Estados Unidos da América, não é, acima de tudo, político, sendo na verdade uma ponte para algo mais, que são, acima de tudo, as emoções das nossas personagens e o sofrimento inerente a toda a história, sendo isso a comandar o filme e não propriamente a questão política. Isto faz com que o espectador reflita politicamente, pois além de ter a questão da dor e do sofrimento, tem também imensa empatia e harmonia num momento mais adiantado da narrativa.

Nesse sentido, “Mass” faz essa complementaridade emocional de uma forma extremamente coesa, ou seja, toda a dinâmica e todos os timings emocionais das nossas personagens são extremamente justificados no ecrã, não vendo nenhuma delas a ter uma reação que não esteja condizente com a essência das suas emoções e daquilo que está a ser transposto para a tela.

Linda (Ann Dowd) e Richard (Reed Birney)

(Spoiler alert)

Por tudo isto, “Mass” revela-se um filme extremamente maduro, do início ao fim, na mensagem que transmite. Ao revelar que estes dois pais perderam um filho, que foi assassinado pelo filho do outro casal, na verdade, este casal tem que lidar com a dor de ter criado um ser humano com tendências de assassino. Desta forma, levam consigo um questionamento incessante, de “onde é que eu falhei”, e até que ponto é que isso não é mais destrutivo do que propriamente a dor da “simples” perda de um filho.

Como tal, o trabalho que o filme faz nesse sentido é espetacular, sendo extremamente maduro e significativo – e é por isso que “Mass” tem tudo na medida certa, quer no aspeto político, quer no aspeto humano.

A obra transmite imensa coragem e, tocando num tema tão negro, consegue criar uma mensagem final de tão profunda esperança, e esse é um dos grandes talentos da narrativa: muito criativa nos diálogos, de forma a que consigamos pintar a história e abraçar a dor dos nossos protagonistas tal como, ao mesmo tempo, terminarmos o filme reconfortados pela humanidade, humildade e capacidade de perdão que este transmite.

Tiago Ferreira

Rating: 4 out of 4.

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