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Porque A Arte Somos Nós

De todos os filósofos que estudei, Epicuro (341 – 270 a.C.) foi aquele com o qual mais me identifiquei na forma de pensar. Vamos explorá-lo um pouco? Após o período clássico grego, com o trio Sócrates, Platão e Aristóteles, surgem escolas alternativas e uma delas é no subúrbio de Atenas, com uma casa e os seus jardins. Epicuro retoma a filosofia atomista de Demócrito de Abdera (460 – 370 a.C.) e ignora a metafísica platónica e a sua Teoria das Ideias. Enquanto o ideal de Platão é o mundo dos Deuses, um além e um desprezo pelo mundo sensível, Epicuro ressalta a importância das sensações, segundo ele o único modo de adquirirmos conhecimentos neste mundo. Para ele, tudo são sensações.

Esse materialismo atómico não deve ser confundido com o materialismo como ideal de vida que preconiza a posse de bens materiais. Não se trata disso. Esse materialismo é eu saber que sou um amontoado de átomos que juntos atendem pelo nome de Marcelo. No campo ético, os esclarecimentos de Epicuro são cristalinos e servem-nos até hoje. Vamos a alguns deles? Imagine que você deseja uma vida feliz, pura e simplesmente. Como obter isso? Parece até manual de autoajuda, mas não é. Segundo Epicuro, você deve pautar toda a sua vida pelo prazer. Ter o prazer de se alimentar, dormir, ter uma veste apropriada, ter amigos verdadeiros e tudo isso com moderação.

Demócrito de Abdera

Você deve alimentar-se para saciar a fome e ter o gosto agradável da comida, nada mais do que isso. Não confundir o prazer proposto por Epicuro com o prazer exacerbado e a qualquer custo da escola hedonista, da qual tratarei num artigo futuro. Não à toa, na casa escola de Epicuro, os alunos e o Mestre, que moravam juntos, alimentavam-se de pão, água e das hortaliças e frutas que eles mesmos cultivavam. Fazendo uma analogia moderna, trata-se de uma comunidade hippie que olhava mais para dentro, desprezando aquilo que vinha de fora.

Há um livro muito interessante do Mestre que é o “Carta Sobre a Felicidade (a Meneceu)” (Editora UNESP, 51 p.). Trata-se na verdade de um livreto, ainda mais que é bilíngue (grego e português) e que apresenta as teses centrais da escola epicurista. Em “conselhos” a Meneceu, ele exorta:

É por essa razão que afirmamos que o prazer é o início e o fim de uma vida feliz. Com efeito, nós o identificamos como o bem primeiro e inerente ao ser humano, em razão dele praticamos toda escolha e toda recusa, e a ele chegamos escolhendo todo bem de acordo com a distinção entre prazer e dor.

Embora o prazer seja o nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer: há ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles nos advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de suportarmos essas dores por muito tempo. Portanto, todo prazer constitui um bem por sua própria natureza; não obstante isso, nem todos são escolhidos; do mesmo modo, toda dor é um mal, mas nem todas devem ser sempre evitadas.

Convém, portanto, avaliar todos os prazeres e sofrimentos de acordo com o critério dos benefícios e dos danos. Há ocasiões em que utilizamos um bem como se fosse um mal e, ao contrário, um mal como se fosse um bem.

Um dos seus ensinamentos mais interessantes (e cristalino como água de fonte) é acerca da morte. Tudo segue uma lógica simples: se somos formados por átomos e vivemos por meio das sensações, daquilo que depreendemos do mundo, quando a Dona de Preto com a sua Foice nos vem encontrar já não estaremos mais ali, pois, privados das nossas sensações, temos a convicção de que a Morte não é nada para nós. Tenho uma sugestão a todos e, de forma simples, irei equiparar a morte com o sono.

Aristóteles: O mestre que antecedeu Epicuro

Nos últimos momentos da vigília, quando estamos a cochilar, aposto 100 meus contra um seu que todos vocês não sabem o momento exato em que fecharam os olhos. Esse deixar de estar em vigília nada mais é que um preparo à morte, que é o fim de todas as nossas sensações e por isso, segundo Epicuro:

Acostuma-te à ideia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações. A consciência clara de que a morte não significa nada para nós proporciona a fruição da vida efémera, sem querer acrescentar-lhe tempo infinito e eliminando o desejo de imortalidade.

Não existe nada de terrível na vida para quem está perfeitamente convencido de que não há nada de terrível em deixar de viver. É tolo portanto quem diz ter medo da morte, não porque a chegada desta lhe dará sofrimento, mas porque o aflige a própria espera: aquilo que não nos perturba quando presente não deveria afligir-nos enquanto está a ser esperado.

Então, o mais terrível de todos os males, a morte, não significa nada para nós, justamente porque, quando estamos vivos, é a morte que não está presente; ao contrário, quando a morte está presente, nós é que não estamos. A morte, portanto, não é nada, nem para os vivos, nem para os mortos, já que para aqueles ela não existe, ao passo que estes não estão mais aqui. E, no entanto, a maioria das pessoas ora foge da morte como se fosse o maior dos males, ora a deseja como descanso dos males da vida.

Esse modo de vida frugal, é a minha prática de conduta mesmo que eu não intente orientar ninguém a segui-la. Observo que, na maior parte das vezes, ficamos propensos a um platonismo barato (a mesma conceção de Nietzsche) especulando sobre coisas etéreas esquecemo-nos de viver com os pés fincados na realidade que nos é ofertada. Epicuro, mesmo à sombra dos ilustres pensadores do seu período, soube delimitar o seu nome na História da Filosofia Ocidental, com pão, água, hortaliças e um jeito prático de se levar a vida.

Marcelo Pereira Rodrigues

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