Todos nós sabemos que 2020 tem sido um ano atípico, a todos os níveis, não só ao que o cinema diz respeito. Mas, de facto, está a ser um período particularmente difícil para a indústria artística, uma vez que, devido à pandemia que atravessamos, todos os projetos já pensados e estudados tiveram de ser reformulados, e a maioria até adiados indefinidamente, se é que não cancelados.
No entanto, vão havendo, como sempre, projetos a destacar-se pela positiva, entre todos, e que neste artigo vão merecer uma distinção, nomeadamente, aqueles que considero terem sido os melhores filmes entre os que vi, e que até agora tiveram estreia em Portugal.
(desta vez será em ordem contrária à maioria dos nossos tops, começando pelo 5.º lugar)

5.º “First Cow”, Kelly Reichardt – Drama
Em quinto lugar desta lista surge “First Cow“, um filme bastante paradigmático, muito por culpa daquilo que apresenta como motivo narrativo. A primeira vaca chega ao Noroeste e desperta a atenção de Cookie (John Magaro), um cozinheiro modesto e bem-intencionado. Este cozinheiro desenvolve uma conexão muito forte com King Lu (Orion Lee), um imigrante chinês, e juntos criam um negócio de doces para sobreviver. Este filme traz-nos uma narrativa muito contemplativa e um passaporte para refletirmos sobre aquilo que levamos realmente desta vida: o que construímos com os outros – desde que seja sentido e, em certa medida, mútuo.

4.º ” Retrato de Uma Rapariga em Chamas” (“Portrait of a Lady on Fire”), Céline Sciamma – Drama, Romance
A história que aqui nos é apresentada surge da amizade prolífica entre uma pintora e a sua modelo. A ação tem lugar no século XVIII, em França, onde Marianne (Noémie Merlant) tem a missão de fazer um retrato de Héloïse (Adèle Haenel) para o seu casamento, sem que ela saiba. O lado forte desta película surge, precisamente, através desta ligação emocional apaixonante entre ambas, com um carácter hipnotizante e extremamente belo. Desde os diálogos, à forma como cada personagem se consegue evidenciar, no seu todo, com a sua profunda personalidade, este filme é um ensaio forte e intenso do que uma (verdadeira) relação pode ser. Para saberem mais, a crítica ao filme está aqui.

3.º “The Gentlemen: Senhores do Crime” (“The Gentlemen”), Guy Ritchie – Ação, Crime
Aqui o plot é um pouco diferente, mas igualmente atraente. Neste filme, um traficante inglês muito poderoso está a tentar vender o seu império extremamente lucrativo a um grupo de bilionários do Oklahoma. No processo, Michael (Matthew McConaughey) e Ray (Charlie Hunnam), dois empresários, são inseridos no esquema e ‘obrigados’ a sair dele. Pelo meio, temos um enredo de fugas, intrigas, jogos de poder e muito mais. Estamos perante uma narrativa de ação completíssima, carregada de mensagem e de uma profundidade bastante sólida para histórias do género. Além de um cast de encher o olho, temos a ousadia em dar um novo sentido literário, englobando a intelectualidade com o que é mais (facilmente) tangível.

2.º “Tudo Acaba Agora” (“I’m Thinking of Ending Things”), Charlie Kaufman – Drama, Thriller
A história começa com uma jovem rapariga cheia de dúvidas quanto ao futuro da sua mais recente relação com Jake (Jesse Plemons), que a leva a visitar a casa dos seus pais numa quinta bem distante. Aquando da estadia, ela começa a questionar tudo aquilo que vê, sendo ludibriada com um jogo fortíssimo de perspetivas que a sua mente espoletou.
As imagens têm uma força e vivacidade esplêndidas neste filme, uma vez que mostram, de certo modo, a interioridade da personagem principal, e a sua relação com o passado, presente e futuro. Perante esta luta entre o que aparenta ser real e o que é ilusório, os refúgios da mente permitem, num último momento, conectar os pontos e, neste caso, criar uma atmosfera elevada de pensamento, caracterização e um argumento digno de ser interpretado, vezes sem conta. Podem ler a crítica completa aqui.

1.º “Tenet”, Christopher Nolan – Ação, Sci-fi
O filme mais esperado do ano conta a história de um agente da CIA, auto-intitulado de ‘O Protagonista’ (John David Washington), que é recrutado por uma organização misteriosa chamada Tenet. Num contexto de espionagem global, o seu objectivo passa por deter um magnata russo, cujas intenções maliciosas poderão dar origem a uma Terceira Guerra Mundial.
Para tal, ‘O Protagonista’ depara-se com o conceito de inversão da entropia dos objetos. Aqui temos, portanto, um conceito audaz e inovador, com uma banda sonora muito gratificante, algo que, na sequência de cenas de ação belíssimas, perfaz um grande filme. Apesar da falta de sentimentalismo, o conceito inerente à narrativa torna tudo possível. Um filme para ver no grande ecrã, e para rever – porque, intelectualmente, é uma experiência avassaladora. Podem encontrar a crítica aqui.
Desta forma, podemos ver que nem com uma pandemia a arte deixa de ter o seu lugar. Neste agradável (e possível) regresso às salas de cinema, tomemos todos os cuidados. Porque, como diz um certo lema bem conhecido, “A arte somos nós” e somos nós que fazemos a arte.
Por um cinema feliz.