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Porque A Arte Somos Nós

A violência e o pecado andam de mãos dadas no novo filme do cineasta estadunidense Antonio Campos. Com longas-metragens como “Depois das Aulas” (2008) e “Simon Killer” (2012) à sua cintura, “The Devil All the Time” soa a uma progressão natural na carreira do criativo, visto que nunca teve receio de mergulhar em águas menos limpas. Desta feita, a matéria-prima, que adapta em parceria com Paulo Campos, provém de um romance do autor Donald Ray Pollock, que faz a narração que ouvimos ao longo da história. Habitada por várias personagens que em nome de Deus cometem as maiores atrocidades.

A narrativa leva o seu tempo a estabelecer o elenco, sendo que, em última instância, é em Arvin Russell (Tom Holland) que encontramos um tão necessário epicentro empático. Filho de Willard Russell (Bill Skarsgård), o jovem aprende desde tenra idade que “há muitos filhos da puta por aí“, como por exemplo o pastor desequilibrado Roy Laferty (Harry Melling), cujo sermão envolve o despejo de um pote cheio de aranhas vivas na sua cara. Ou ainda o fundamentalista depravado Carl (Jason Clarke), que em parceria com Sandy (Riley Keough), alicia homens com o fim de os fotografar nus, depois de mortos.

Robert Pattinson (Reverendo Preston Teagardin)

Estes são alguns exemplos da negritude que está impressa no drama de “The Devil All the Time”, sendo que Robert Pattinson, na pele do Reverendo Preston Teagardin, acrescenta um ângulo predatório com uma interpretação tão vil quão deliciosa. Estas histórias, que ocasionalmente intercetam no espaço e no tempo – começam depois do fim da Segunda Guerra Mundial, terminam em 1965 e situam-se entre a Virgínia Ocidental e Ohio – têm um fio condutor flamejante: uma arma. Um objeto que, num contexto religioso, só provoca escárnio e desgraça. O curioso é que, no filme de Antonio Campos, essa desgraça parece inevitável. Uma mensagem fatalista que renega tudo o que de pior existe na veneração dos cultos católicos.

De episódio para episódio, o subtexto final vende a ideia de que os erros dos nossos pais vão irremediavelmente alcançar-nos e o facto de os Estados Unidos da América serem um estado laico não impede que a religião consuma (em algumas zonas) mesmo o indivíduo menos crente. O problema reside na falta de frescura geral destas ideias.

Por entre os sacrilégios e o sangue derramado, acaba por ter pouco sumo ou, no melhor dos casos, um sumo que já foi espremido em obras que confrontam os podres da religião. Além do mais, não deixa um impacto tão duradouro quanto isso, estando muito mais formatado para chocar no momento. Dada a ambiência de western noir que por vezes emana, assim como a presença de pastores manipuladores, filmes que fazem um contraponto com esta obra são, por exemplo, “Haverá Sangue” (2007) e “Este País Não É Para Velhos” (2007) – dois dos melhores filmes da primeira década do século XXI.

Tom Holland (Arvin)

Embora seja tecnicamente bastante competente, com uma fotografia composta e músicas apropriadamente religiosas, que auxiliam na imersão deste conto dos diabos, a derradeira cartada de “The Devil All the Time” está na qualidade do elenco. Colocando de lado Mia Wasikowska, cujo papel soube a pouco, a maior parte dos atores tem uma oportunidade para enriquecer o filme, seja Bill Skarsgard com uma interpretação estoica a la Michael Shannon, ou Riley Keough, na forma como se deixa levar pelo medo e pela insegurança.

No centro da passerelle, Tom Holland deixa de lado o fato tecnológico do Homem-Aranha para levar em diante a narrativa com uma prestação madura e resiliente, sendo um confronto com a personagem interpretada por Pattinson um ponto alto do filme.

São duas horas e dezoito minutos de malucos da religião a tramar travessuras. Se entretém? Sim… Se é um filme excelente? Nem por isso. É estar atento ao que Antonio Campos faz a seguir.

Bernardo Freire

Rating: 2.5 out of 4.

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