“I’m Thinking of Ending Things”, ou em português “Tudo Acaba Agora“, é um filme com imensa personalidade, com um carisma tremendo, nunca descorando o seu lado mais sarcástico e, ainda assim, contemplativo. Toda a sua narrativa é um mar de intelectualidade, de profundidade quanto ao carácter sui generis de cada personagem, permitindo-nos uma experiência muito rica de cada ponto de vista, mas claro, o da protagonista (Jessie Buckley) prevalece, e bem.
O filme tem um crescendo muito interessante e prende bastante a atenção num primeiro momento, precisamente porque permite, através de diálogos longos, mas sempre muito introspetivos, analisar a condição humana como um todo (possível) e isso imprime à narrativa um aspeto muito diferenciador para dramas do género.
No entanto, é bastante interessante verificar que o filme resulta muito bem como comédia num segundo momento. A personalidade dos pais de Jake (Jesse Plemons) conferem uma nota de realce e de distinção quanto à sua envolvência intrínseca, mas também, e obviamente, quanto às performances adjacentes.
Por outro lado, a namorada de Jake, que começa o filme com o pensamento – um pouco nostálgico, mas também aflitivo – de terminar a sua relação, consegue ter, durante quase toda a narrativa, um palco metafórico para brilhar, para deixar fugir a sua própria personalidade (os seus medos, as suas recordações, os seus objetivos, a sua paixão, o seu mundo…), o que demonstra, necessariamente, que o filme em termos de caracterização cumpriu, e bem, a sua parte.

Jake revela-se uma personagem bastante enigmática no começo, e vai deixando cair a sua máscara ao longo do filme. A química entre o casal está claramente limitada pelas intenções recentes da personagem; contudo, há algo bastante etéreo a conectá-los. O que é espalhado para o ecrã é uma sincronia intelectual muito forte, reforçada pelos diálogos, que são o mais forte deste filme.
“I’m Thinking of Ending Things” (2020) que é escrito e realizado por Charlie Kaufman, um autor de histórias muito bem conseguidas, desde “O Despertar da Mente” (2004) a “Anomalisa” (2015). Neste caso, o argumento surge como adaptação da obra homónima de 2016 do escritor Iain Reid.
Este filme vive, sobretudo, dos detalhes, mas também das metáforas complexas que cria. Sem nunca se demarcar de uma história minimamente linear até à parte final, consegue captar as atenções com belas interpretações; destaque para Toni Collette e David Thewlis enquanto pais de Jake. Além disso, a viagem do casal até à quinta dá-se com uma leveza incrível, sem forçar interacções, nem perspetivas.
Por isso mesmo, o filme todo ele é uma personificação de descobertas humanas; de consciencializações; de epifanias. Isto porque é preciso irmos bem a fundo de nós mesmos para encontrar, por vezes, a parte que nos falta; a peça do puzzle da vida – indecifrável.

“I’m Thinking of Ending Things” é uma película de um tempo que é (foi) nosso, e por vezes é preciso destreza para diferenciar o que já passou do que ainda está para vir. O paradoxo de perspetivas e a suposta incongruência de imagens e visões não é inocente; aliás, carrega o filme de sentimentos inexplicáveis à luz das palavras, além da envolvência de um discurso repleto de reflexões essenciais – “As pessoas gostam de se ver como pontos que se deslocam no tempo. Mas acho que deve ser o oposto. Estamos parados, e o tempo passa por nós“.
A palavra de ordem deste filme é, no fundo, audácia. Audácia em explorar os pensamentos humanos, quase sempre mais reveladores e verdadeiros que ações; audácia em construir personagens que servem a história, permitindo à narrativa evoluir entre géneros de forma pura e consistente; e audácia na maneira profunda como fecha a cortina, dizendo adeus a uma história que eu, sinceramente, nunca quis que acabasse.
Por um cinema feliz.
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