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Porque A Arte Somos Nós

As montanhas do norte argentino, perto da fronteira com a Bolívia, são o território místico escolhido pelo cineasta e argumentista Alejandro Telémaco Tarraf para filmar a sua estreia em longas-metragens. Com o nome sugestivo de “Piedra Sola”, o drama documental serve-se de um motivo narrativo simples para registar planos naturais de outro mundo, onde o Homem e a Natureza são um só. A concorrer na seleção de filmes do Festival Porto/Post/Doc 2020, na Competição Internacional, esta é uma aposta que exige a total atenção do espetador para que não falhem interjeições de esplendor.

Depois do prólogo onde um cavalo luta para se livrar de uma corda em torno das suas pernas e o tom negro do céu é interrompido pelo tremor dos relâmpagos, a morte de um lama coloca a narrativa em marcha. O golpe mortífero é dado por Fidel Ricardo Tolaba, um pastor de lamas que tenciona vender a carne e a lã do animal com o seu filho num mercado circundante. Tal como os seus pares, é a partir deste negócio que Fidel governa a sua família. Todavia, a estabilidade é perturbada por uma presença invisível com apetite por lamas – um puma, referem os anciões, sem rasto de prova.

“Piedra Sola”

A história é fina em grossura, mas vigorosa em escala. Uma janela na vida e hábitos pacíficos desta comunidade remota que a equipa de filmagens procura não perturbar. E como se por magia, a quietude das suas rotinas permite a total envolvência com os elementos. Seja pelo abrigo da chuva, a composição fotográfica de planícies e cordilheiras, a ventania em forma de banda sonora ou o ato de ver arder num ritual de chamas. É, sobretudo, uma experiência sensorial que por um lado recorda a faceta mais austera do meio-ambiente, sem nunca esquecer as suas características mais ricas e encantadoras.

Longe de parecer uma sucessão de fotografias naturais, o ângulo documental de “Piedra Sola” prevalece no enaltecimento dos contornos do que é orgânico. Na outra face da moeda, o drama escala com uma jornada em busca do puma desconhecido. A unir os dois domínios está um sentimento de plenitude que proporciona paz interior. Talvez por os acontecimentos retratados no grande ecrã serem principalmente de origem espiritual. Num dos diálogos mais exemplares, Fidel pede a uma vidente auxílio para encontrar o predador. Ao qual ela responde, como se o puma tomasse o seu lugar: “O que procuras? Eu estou apenas faminto… como tu. Eu vivo na memória… eu vivo no fogo“.

“Piedra Sola”

Perante um cenário de comunhão tão conectado com o esotérico, com o lendário, com um conjunto de crenças metafísicas, a razão não é mais do que um meio para garantir a subsistência do corpo. O verdadeiro interesse de Tarraf é, precisamente, capturar a forma como esta cultura ancestral, em pleno século XXI, alimenta a alma. A intensidade com que estão ligados a um canto do planeta tão puro e inalterado, que chega a parecer alienígena ao Homem moderno e digital.

O desenrolar das cenas é deliberadamente lento e inimigo do défice de atenção, muito embora a montagem evite que a monotonia se instale. No entanto, tendo em conta que o cinema é sempre uma experiência única e pessoal, é necessária uma determinada abertura ao imaginário para se sentir a total integração na película. Uma empatia que, segundo o crítico que vos escreve, é tão importante para olhar o outro, como para senti-lo.

Este filme pode ser visto no Porto/Post/Doc no dia 25 de Novembro (quarta-feira), às 17:30 horas, no Teatro Rivoli. Consulta a programação diária aqui.

Bernardo Freire

Rating: 3 out of 4.

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