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Porque A Arte Somos Nós

Um livro fascinante! “O Pêndulo de Foucault” (Editora Record, 613 p.) é um belo romance do italiano Umberto Eco, que é também autor de “O Nome da Rosa“. Especialista em Semiótica e História Medieval, o italiano Eco foi um dos intelectuais mais respeitados do mundo. Em “O Pêndulo de Foucault”, ele elabora uma narrativa acerca de um plano secreto, buscando raízes em várias organizações e seitas que invocariam o Santo Graal, descrevendo com bastantes minúcias a contextualização histórica dos factos e construindo o seu romance por meio desses fatos.

Dessa forma, o leitor(a) será iniciado em uma “marginalidade” histórica incomum. Tornam-se muito tentadoras passagens que remetem aos Cavaleiros Templários, aos estudiosos dos Roza-Cruzes, aos Iluminatti, à Maçonaria (os pedreiros), à arquitetura clássica egípcia, ao movimento das Cruzadas, às Grandes Navegações, à alquimia, à cabala. Amplo, não? Muito!

Confesso que para mim se tornou um livro propedêutico, pois, ao mesmo tempo procurei pesquisar a respeito de muitas dessas associações secretas, inclusive lendo outras obras. No livro “O Pêndulo de Foucault” e em outras fontes, apenas uma apresentação formal do que são. Aliás, se estivessem ao alcance de qualquer um não seria secreto, não é mesmo? Apenas uma característica bem peculiar: sociedades secretas são entidades formadas pela elite da sociedade, dos tempos primordiais à contemporaneidade. Em comum, o facto de não serem abertas aos leigos e curiosos. O sujeito não escolhe ser adepto dessa ou daquela sociedade, ele é escolhido.

Uma ode ao talento e à inteligência decorrem daí. Filósofos, escritores, artistas, intelectuais, homens das letras e pessoas influentes foram alguns desses iniciados. Só para se ater a alguns, a lista vai de Dante Alighieri (autor de “A Divina Comédia“) a Cristóvão Colombo, passando por Leonardo da Vinci a Voltaire (autor de “Cândido“).

Cristóvão Colombo
Dante Alighieri

Voltando ao romance, o narrador (Casaubon) é colega de profissão de Belbo e Diotallevi. São funcionários da editora Garamond. As três personagens são quase o alter ego de Umberto no que toca à erudição. Diálogos sisudos e inteligentes vão sendo desenvolvidos e ao leitor caberá interpretar as pistas de uma série de eventos correlacionados. A Garamond quer ter ganho comercial com o “Grande Plano”. “O Grande Plano” faz os editores lerem e estudarem volumes e mais volumes de obras que chegam para os seus escrutínios.

No meio da trama, Casaubon narra com bastante humor a relação mercenária entre editores e escritores, toda a sordidez económica e mentirosa que parece remeter à mesma desilusão de Balzac em “Ilusões Perdidas“. É daí que decorrem os melhores diálogos, teorias conspiratórias e a convergência para um ponto em comum: a descoberta do grande segredo.

Uma tensão vai acompanhando o enredo do início ao fim e verificar o sacrifício e estudo desses singulares editores, com todos os seus dilemas pessoais, é quase um regozijo, nesse mundo aculturado de hoje. Muitos diálogos intelectualizados são quebrados por passagens bem reais no bar do Pílades, ponto de encontro na hora do happy hour e que parece ser a extensão dos escritórios da pequena editora. Uma pista parece apontar para a Europa: “José de Arimateia leva o Graal para a França”.

Interessante pesquisa. Quem foi José de Arimateia? O que vem a ser o Graal? E por que a França? Alguma coisa a ver com a Torre Eiffel? São passagens investigativas que ficam sem respostas. Mas que não deixam de trazer alguns indícios. Aliás, indícios que à primeira vista parecem fazer conexão com nada são aventados, daí podermos fazer analogias das mais obtusas, de coisas singulares e que remetem ao sagrado segredo. E o leitor(a) certamente irá se envolver na trama, se para isso fizer a opção de visitar um bom dicionário e investigar junto com o narrador.

Se o leitor se lembrou de “O Código da Vinci“, do escritor Dan Brown, é válida a correlação. “O Pêndulo de Foucault” pode ter sido uma das boas fontes de Brown. Intelectuais mais radicais enxergarão em Dan Brown apenas mais um “vendilhão do templo”. Minha humilde opinião é que ele foi feliz em popularizar um tema tão controverso e que para muitos trata de uma alegoria à capacidade da mulher, tão suplantada e discriminada por dois milénios da Igreja Católica Inquisitorial. Se Brown leu “O Pêndulo de Foucault”, e certamente o fez, tornou-se autor investigativo real do modelo preconizado pelo livro de Eco.

Aliás, um dos melhores elogios que se deve fazer a Eco é a construção de histórias tão complexas e reais que parecem sair do campo da ficção e ganhar vida própria. Quem não se lembra de “O Nome da Rosa”, adaptado para o cinema em 1986, produzido por Bernd Eichinger e que teve em seu elenco Sean Connery e Christian Slater? Pois bem, assistir a esse filme de 34 anos traz a História Medieval para bem perto de nós.

Do mesmo modo, “O Pêndulo de Foucault” seria complexo demais para ser apenas ficção. Aos leitores interessados, um aviso: vençam as cem primeiras páginas do livro. É que Umberto Eco tem uma mania pertinaz de destilar erudição académica nesses inícios. Mas, se vencerem a floresta fechada, encontrarão um oásis de beleza e mistério. Um livro memorável!

Um de meus autores preferidos, dele indico também “Baudolino“, “A Misteriosa Chama da Rainha Loana“, “O Cemitério de Praga” e “Número Zero“.

“O Cemitério de Praga” (2010)
“Número Zero” (2015)

Deixo-lhes com um trecho de “O Pêndulo de Foucault” para que se possam maravilhar com passagens assim:

Não sabes enxergar as conexões. E não dás a devida importância à interrogação que ocorre duas vezes: quem se casou nas bodas de Caná? As repetições são chaves mágicas. Naturalmente integrei, mas integrar a verdade é direito do iniciado. Eis minha interpretação: Jesus não foi crucificado, e por isso os Templários renegavam o crucifixo. A lenda de José de Arimateia envolve uma verdade mais profunda: Jesus, e não o Graal, desembarca na França entre os cabalistas de Provença.

Jesus é a metáfora do Rei do Mundo, do fundador real da Rosa-Cruz. E com quem desembarca Jesus? Com sua mulher. Por que nos Evangelhos não se diz quem se casou em Caná? Simplesmente porque eram as bodas de Jesus, bodas de quem não se podia falar porque eram com uma pecadora pública, Maria Madalena. Eis por que então todos os iluminados, de Simão o Mago a Postel, vão procurar o princípio do eterno feminino num bordel. Portanto Jesus é o fundador da estirpe real da França“.

Marcelo Pereira Rodrigues

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