Enroscam-se-lhe ao trono as serpentes doiradas
Que, César, mandei vir dos meus viveiros de África.
Mima a luxúria a nua – Salomé asiática…
Em volta, carne a arder – virgens supliciadas…
Mitrado de oiro e lua, em meu trono de esfinges –
Dentes rangendo, olhos de insónia e maldição –
Os teus coleios vis, nas infâmias que finges,
Alastram-se-me em febre e em garras de leão.
Sibilam os répteis… Rojas-te de joelhos…
Sangue e escorre já da boca profanada…
Como bailas o vício, ó torpe, ó debochada –
Densos sabbats de cio teus frenesis vermelhos…
Mas ergues-te num espasmo – e às serpentes domas
Dando-lhes a trincar teu sexo nu, aberto…
As tranças desprendeste… O teu cabelo, incerto,
Inflama agora um halo a crispações e aromas…
Embalde mando arder as mirras consagradas:
O ar apodreceu da tua perversão…
Tenho medo de ti num calafrio de espadas –
A minha carne soa a bronzes de prisão…
Arqueia-me o delírio – e sufoco, esbracejo…
A luz enrijeceu zebrada em planos de aço…
A sangue se virgula e se desdobra o espaço…
Tudo é loucura já quanto em redor alvejo!…
Traço o manto e, num salto, entre uma luz que corta,
Caio sobre a maldita… Apunhalo-a em estertor..
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– Não sei quem tenho aos pés: se a dançarina morta,
Ou a minha Alma só que me explodiu de cor…
Mário de Sá-Carneiro
Pintura de Pierre-Auguste Renoir, “As Grandes Banhistas“ (1884-1887)