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“Telling Lies” é um dos mais recentes jogos criados pelo famoso designer e argumentista Sam Barlow. Barlow ficou famoso no mundo dos videojogos por ter sido lead designer e escritor de dois jogos da série “Silent Hill” (“Silent Hill: Origins” e “Silent Hill: Shattered Memories“), contudo, nos últimos anos tem sido um dos proponentes de novas formas de olhar para o meio dos videojogos, iniciando esta sua fase mais experimental com “Her Story“, uma espécie de “filme interativo” lançado em 2015.

“Telling Lies” é, neste sentido, uma sequela espiritual de “Her Story”. Não que tenha qualquer relação narrativa com o anterior, mas faz uso das suas principais mecânicas base e filosofia de design. “Telling Lies” foi lançado em 2019 para PC e dispositivos móveis, tendo, entretanto, chegado também às consolas. Com um desenvolvimento novamente a cargo de Barlow, a distribuição foi levada a cabo pela recém-criada e cada vez mais afamada Annapurna Interactive, uma distribuidora que é atualmente um pilar do género indie.

“Telling Lies” é jogado num sistema operativo fictício, onde o jogador acede a uma base de dados com vídeos

Tal como em “Her Story”, “Telling Lies” baseia-se no visionamento e análise de clipes de vídeo arquivados numa base de dados de um computador. Estes vídeos foram todos gravados usando imagem real, dando ao jogo um aspeto de filme interativo. Ao invés de imitar o género dos Full-Motion Video (por exemplo, como a Netflix fez com “Black Mirror: Bandersnatch“), o estilo de design implementado por Barlow assume que os vídeos podem ser vistos por qualquer ordem e sem dependências.

Grande parte do desafio em montar as peças da história prende-se com duas restrições, herdadas do antecessor “Her Story”. Em primeiro lugar, toda a história está dividida em cerca de 170 vídeos arquivados num disco rígido. Em segundo lugar, o jogador não pode aceder a todos os vídeos simultaneamente, necessitando de introduzir uma ou mais palavras na caixa da procura onde, caso haja correspondência, serão mostrados os cinco vídeos mais antigos que incluem essa palavra ou expressão, começando o vídeo a partir do momento em que a frase é dita.

Esta componente core do jogo manteve-se inalterada desde “Her Story” precisamente porque coloca a quantidade certa de desafio ao jogador. Sabendo que os vídeos mais importantes estarão na parte final da história, o jogador terá de estar atento para conseguir utilizar palavras específicas que revelem os capítulos finais da história.

Para procurar vídeos em “Telling Lies” o jogador pode procurar por palavras ou expressões

Já a história distancia-se bastante da apresentada em “Her Story”, principalmente pelo facto de apresentar um maior número de personagens e um âmbito mais abrangente. Conta a história de David Smith, um agente infiltrado do FBI a trabalhar num caso com nome de código Green Dagger. O objetivo é investigar potenciais casos de terrorismo por parte de um grupo ambientalista denominado Green Storm.

Para se infiltrar no grupo, David começa por abordar um dos seus membros mais novos, Ava, que acaba por ganhar também algum protagonismo na história. Além de David, as gravações focam-se em várias personagens com quem este interage, como a já mencionada Ava, a sua esposa e filha (Emma e Alba), o seu chefe no FBI (Mike) ou até uma camgirl com quem David interage várias vezes.

Uma das mais interessantes e desafiantes características destes clipes está no facto de que estes apenas incluem vídeos captados por dispositivos eletrónicos, como smartphones, webcams ou câmaras ocultas. Além disso, cada clipe apenas mostra vídeo e som do dispositivo que o originou. Ou seja, em casos em que esteja a ser gravada uma videochamada, cada um dos lados da conversa estará presente num vídeo separado. Isto faz com que muitas vezes o jogador não saiba com quem é que a personagem que está a ver está a falar, mas incita-o a estar atento a palavras-chave, de forma a tentar procurar o vídeo correspondente ao outro lado da conversa.

A narrativa de “Telling Lies” foca-se numa investigação do FBI relacionada com terrorismo

Ainda que a jogabilidade de “Telling Lies” esteja assente naquilo que “Her Story” apresentou, houve uma notória tentativa de refinar algumas mecânicas. Sabendo que frequentemente a estratégia dos jogadores é usar palavras que foram ditas nos vídeos para fazer novas procuras, “Telling Lies” permite, ao pausar os vídeos, selecionar parte das legendas e fazer diretamente a procura, poupando alguns preciosos cliques. É possível também avançar ou recuar nos vídeos, adicionar marcadores em momentos chave e usar um bloco de notas integrado no jogo.

Como é requerido a qualquer análise crítica que não só sejam analisadas as forças, mas também as fraquezas de uma determinada obra, serão deixadas aqui duas das segundas. No aspeto narrativo, por muito imersivo e viciante que seja desenredar toda a trama narrativa, esta energia e vivacidade arrefece um pouco na reta final do jogo, sobretudo no epílogo, que inclui um dos finais mais ridículos de memória recente.

No âmbito da jogabilidade, é difícil de encontrar justificação para não haver a possibilidade de ver os vídeos desde início, mas sim apenas a partir do segundo em que existe match com o que se escreveu na caixa de procura. Isto não seria problema se a velocidade de rewind fosse aceitável, mas o facto é que nos vídeos mais longos (com cerca de 10 minutos) pode demorar mais de um ou dois minutos só para rebobinar para o início do mesmo.

Tal como em “Her Story”, o jogador interpreta o papel de alguém que faz parte da história. Embora no jogo anterior esta influência só seja revelada no final, em “Telling Lies” é explícito que quem está a analisar os vídeos é uma agente do FBI que aparenta estar a aceder a conteúdo sem permissão. Contudo, não se deixe o jogador enganar pelo facto de estar a tecnicamente interpretar um papel. “Telling Lies” é uma experiência narrativa que nos transporta do papel de espectador para participante ativo na história. Tal como tem sido a filosofia dos últimos jogos de Sam Barlow, o verdadeiro papel do jogador é chegar à sua própria verdade.

Disponível em: iOS, macOS, Nintendo Switch, PS4, Windows, Xbox One

Luís Ferreira

Rating: 3.5 out of 4.

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