Por norma, os videojogos focados no trabalho de detetive estão desde logo condenados a falhar em pelo menos um aspeto. Seja em momentos de interrogação, de análise de pistas ou nos momentos de dedução, é extremamente raro que o jogador não tenha que fazer uma escolha de entre um leque de opções. Por exemplo, no já retratado “LA Noire“, nas famosas interrogações do jogo, a lista de questões é predeterminada pelo jogo. Do mesmo modo, nos jogos da saga “Sherlock Holmes“, quando Sherlock tem que desmentir uma testemunha, é dada no ecrã uma lista de opções, onde apenas uma será a prova correta.
Por muito boa que seja a vertente narrativa do jogo, estes momentos tiram alguma importância ao trabalho de detetive que este tipo de jogos tenta emular. Isto porque, muitas das vezes, o jogador está a ser auxiliado (ou até influenciado) pelas potenciais respostas em vez de usar o seu próprio raciocínio. Por vezes, estas escolhas de questões ou pistas resumem-se simplesmente a escolher qual das opções soa de forma mais sensata ou, em alguns casos, adivinhando até acertar.
São problemas como estes que colocam desafios adicionais nos jogos de detetive, pois, ao contrário de um romance do género, cada jogador deve fazer o seu próprio raciocínio. Por dar liberdade ao jogador de chegar sozinho às suas conclusões, “Her Story”, videojogo desenvolvido e lançado por Sam Barlow em 2015, merece desde logo atenção.

Num género que se aproxima do “filme interativo”, em “Her Story” o jogador tem que assumir o papel de investigador e analisar os vídeos dos interrogatórios de Hannah Smith, onde esta conta à polícia a história de Simon, o seu marido que foi assassinado. Sem nada que à partida possa complicar o trabalho do jogador, a principal partida que o jogo prega é o facto de não ser possível ver os sete depoimentos de Hannah de forma cronológica. Isto porque os mesmos foram divididos em vários vídeos (271) e arquivados num programa de computador antigo, a base de dados LOGIC.
Por esta razão, para encontrar vídeos, é necessário introduzir pelo menos uma palavra na caixa de procura da interface antiquada do computador e, se essa palavra (ou expressão) for dita no vídeo, este irá aparecer nos resultados da busca. Embora aparentemente simples (nada diferente de uma procura no Google), é um sistema que funciona bem no jogo. Quando Hannah diz que esteve em Glasgow num determinado dia, a palavra “Glasgow” será uma excelente candidata para a próxima procura. O jogador começa a estar com atenção a nomes, lugares ou palavras repetidas, da mesma forma que começa a anotar tudo, a desenhar linhas temporais e a tentar encontrar contradições.

Barlow tem capacidade para antecipar algumas intenções do jogador e lida com as mesmas de forma brilhante. Por vezes, certas palavras mais “óbvias” vão resultar em vídeos onde o contexto torce o significado da mesma (como, no caso de o jogador procurar a palavra “knife“, pois um dos vídeos resultantes é Hannah a falar em “facas de sobremesa”). Adicionalmente, o jogo limita o número de resultados da procura a cinco vídeos, de forma que, caso haja mais do que esse número de resultados, apenas os primeiros cinco serão mostrados, algo que força o jogador a ser mais criativo, dado que os detalhes mais sumarentos e reveladores se encontram nos últimos interrogatórios.
O resultado desta completa liberdade é uma história muito pessoal, pois é o próprio jogador que guia todo o processo de descoberta e desenredamento do que realmente aconteceu com o assassinato de Simon. É o jogador que usa a sua curiosidade e intuição para procurar novas pistas e juntar as peças de uma narrativa que se encontra a priori partida.
Um dos detalhes mais debatidos do jogo é o facto de não existir uma verdadeira conclusão, tal como não existe a necessidade de algemar suspeitos nem escolher dramaticamente um culpado. O jogador pode terminar a investigação quando quiser, ou, pelo menos, quando sentir que já tem uma compreensão geral dos acontecimentos, ainda que, tipicamente, tal requeira uma grande quantidade de vídeos visualizados.
Como é revelado a certa altura do jogo, o investigador que o jogador interpreta já sabe de antemão quem é o culpado, mas não os seus motivos. “Her Story”, por essa mesma razão, mais do que interessado em dar ao jogador a falsa satisfação de saber “quem”, está preocupado em fornecer as pistas para que este consiga chegar sozinho ao “porquê”.
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