Enquanto desenvolvia a ideia para o terceiro lançamento da sua nova vaga de jogos baseados em full-motion video, Sam Barlow ter-se-á provavelmente deparado com o seguinte dilema: seguir as pisadas de “Her Story” e “Telling Lies“, ou tentar uma abordagem completamente nova? Desde que “Immortality” foi anunciado pelo próprio Barlow, que várias pistas indiciavam que a resposta recairia pela segunda opção.
Começando pelo género narrativo, várias publicações no blog da distribuidora do jogo (Half Mermaid Productions) indiciavam que “Immortality” (ainda com o nome de código “Project Ambrosio”) estaria ligado ao terror, juntamente ao posterior anúncio da equipa de argumentistas, que mostrava já ter dado provas no género: Barry Gifford (argumentista de “Lost Highway: Estrada Perdida” e “Um Coração Selvagem“, ambos realizados por David Lynch), Amelia Gray (com colaborações nas séries “Maniac” e “Mr. Robot“), bem como Allan Scott (argumentista do filme “Aquele Inverno em Veneza” ou, mais recentemente, da série “Gambito de Dama“). A confirmação definitiva chegaria em Agosto deste ano, quando o jogo foi lançado.

O enredo de “Immortality” é baseado na história da atriz ficcional Marissa Marcel. No universo do jogo, a carreira da promissora Marissa resume-se apenas a três filmes: o romance erótico “Ambrosio” (1968), o drama de investigação “Minsky” (1970) e o thriller “Two of Everything” (1999). Duas estranhas coincidências são o facto de nenhum dos três filmes ter chegado a ser alguma vez lançado nas salas de cinema e de Marissa Marcel nunca mais ter sido vista desde 1999. Em 2020, um conjunto de gravações dos três filmes foi descoberta e disponibilizada para o jogador descobrir o mistério.
Quem já tiver jogado “Her Story” ou “Telling Lies” já terá uma ideia mais ou menos definida daquilo que o esperará. Começando com uma amostra de vídeos, será o objetivo do jogador conseguir juntar as peças do puzzle, visionando os clipes de forma não cronológica, dado que estes se encontram “espalhados” pela base de dados e não podem ser acedidos todos ao mesmo tempo.
Contudo, o grande aspeto diferenciador de “Immortality” em relação aos antecessores espirituais é a forma como o jogador pode navegar pelos vídeos. Enquanto que em “Her Story” e “Telling Lies” a descoberta de novos clipes era feita através da pesquisa numa caixa de texto, em “Immortality” um novo sistema permite ao jogador ir saltando de clipe em clipe. Ao pausar um determinado vídeo, que pode dizer respeito às gravações de um dos três filmes de Marissa Marcel, entrevistas ou cenas nos bastidores, o jogador pode usar o “Modo Imagem” para clicar em qualquer objeto de interesse.

Depois de o jogador clicar em qualquer um dos itens presentes na imagem (sejam pessoas ou objetos), o jogo usa um match cut para levar o jogador para outro vídeo que inclua esse mesmo item (ou pelo menos algo equivalente). Esta mecânica acaba por funcionar bem no jogo, não só porque em cada frame há quase sempre itens para selecionar, bem como o match é dado praticamente sempre para um clipe novo.
Além disso, esta componente de procura mais focada no visual, em vez de estar focada no texto, está mais em linha com a linguagem cinemática que é usada nestes mais recentes jogos de Barlow e obriga o jogador a estar mais atento ao que vê do que ao que ouve ou lê nas legendas.
A única falha deste sistema de procura acaba por ser o facto de que não é explícito para o jogador como funciona: se o jogo procura fazer um match com o objeto mais parecido possível, se procura um vídeo cronologicamente próximo ou se é puramente aleatório. Apesar de tudo, é um sistema completamente inovador que faz com que o jogador esteja de olhos colados no ecrã à procura dos objetos mais estranhos ou de pessoas que apareçam pela primeira vez. Também o facto de que todos os vídeos que são descobertos ficam automaticamente desbloqueados para visualizações futuras (algo que não acontecia nos antecessores) ajudam a colmatar esta pequena incongruência do jogo.

“Immortality”, à superfície, mostra ser um mistério que desperta interesse e curiosidade, com um argumento de rara qualidade e interpretações fantásticas, sobretudo nos papéis da protagonista Marissa Marcel (Manon Gage), mas também do diretor de fotografia John Durrick (Hans Christopher) e dos atores Robert Jones (Miles Szanto) ou Amy Archer (Jocelin Donahue). Em particular, Manon Gage impressiona nesta sua primeira interpretação digna de registo e estabelece-se como um nome a seguir nos próximos anos.
Em muitos momentos do jogo, o jogador pode inclusive esquecer-se de que os três filmes que tem de analisar são completamente fictícios e ficar embrenhado nos seus enredos, que funcionam mesmo se vistos como filmes isolados (talvez esteja aqui uma oportunidade para Sam Barlow se aventurar no mundo do cinema). Apesar de tudo, “Immortality” possui uma camada narrativa adicional que vai além da mera exploração dos vídeos, mostrando um mistério de maiores proporções, onde já figura mais o género de terror que Barlow prometia (não será explorada esta vertente para não estragar a experiência de quem ainda não jogou).
A beleza de jogos como “Immortality” é que nem todos os jogadores irão chegar a perceber completamente aquilo que aconteceu ou como aconteceu, mas praticamente todos irão perceber que estão perante uma experiência diferente do normal. Nem que seja pelo facto de “Immortality” ser uma das primeiras grandes apostas por parte da Netflix para o seu catálogo de videojogos, é um lançamento recente que merece ser explorado, sendo uma excelente opção para os fãs da sétima arte que procurem uma experiência mais interativa e pessoal.
Disponível em: Android, iOS, Mac, Windows, Xbox Series X|S
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