Se os anos 10 foram importantes na definição da linguagem cinematográfica, foi nos anos 20 que o cinema atingira a puberdade. Os filmes tornaram-se mais sofisticados, com os criativos a experimentar e aplicar técnicas que avançaram tanto a forma como a complexidade das histórias no grande ecrã. Em países como os Estados Unidos, em 1926, esta febre levou a indústria do cinema a atingir um pico de luxúria e indulgência. “Babylon”, assinado pelo cineasta norte-americano Damien Chazelle, propõe-se a fazer uma revisão dos bons velhos tempos, ao mostrar a ascensão dos protagonistas e a sua inevitável queda.
A primeira meia hora marca o tom báquico que acompanha boa parte da narrativa. A caminho de uma festa de arromba, em Los Angeles, está Manny Torres, interpretado por Diego Calva, um aspirante a realizador que funciona como âncora da audiência. No decorrer da noite cruza-se com a elétrica Nelly LaRoy (Margot Robbie), que diz ser uma estrela de cinema, e Jack Conrad (Brad Pitt), um cavalheiro libertino que é, de facto, uma estrela de cinema. A cantora de cabaré Fay Zhu (Li Jun Li), a jornalista de tabloide Elinor St. John (Jean Smart) e o músico de jazz Sidney Palmer (Jovan Adepo) ajudam a compor o cenário deliciosamente dantesco.

Apesar de alguns exageros, o retrato de Hollywood segundo Chazelle não é muito diferente da realidade. Com o avultar dos investimentos na indústria, o trabalho e a diversão multiplicaram-se ao ponto de instalar uma histeria irreplicável. As produções eram caóticas e desregradas, algo que esta comédia dramática se diverte a comunicar através de exaltação e negligência extrema. Alguns locais de rodagem eram autênticos campos de batalha, sem contratos de trabalho ou qualquer salvaguarda. Já atrás das câmaras reinava a boémia, com personalidades do meio a organizar algumas festas de fazer inveja aos anos 60.
Para vender estas ideias, o cineasta realizou o projeto mais ambicioso da sua carreira. Primeiro, porque a execução da mise-en-scène é deveras exigente: a escala é enorme, o ritmo é intenso e a música é constante. Em segundo lugar, enquanto cineasta que evoca um certo classicismo cinematográfico, não esperava que rodasse um épico em torno do tópico da decadência moral. O que explica o facto de “Babylon” ser um filme pouco rugoso e, por consequência, mais artificial do que seria aconselhável. Por último, enredar tantas personagens foi uma aventura que, embora sinuosa, revelou-se satisfatória e, em alguns casos, até comovente – Nelly LaRoy e Jack Conrad, nos calcanhares de Robbie e Pitt, respetivamente, tornam-se memoráveis.
As mudanças que a estreia de “O Cantor de Jazz” (1927) espoletou na indústria têm um efeito profundo nas personagens. A incapacidade de se adaptarem à era do cinema sonoro transforma a celebração numa elegia trágica e romântica sobre o poder da sétima arte e a sua persistência no tempo (embora uma parte considerável dos filmes mudos já não exista). Matéria que é explorada de maneira exemplar pelo musical “Serenata à Chuva” (1952), com o qual “Babylon” estabelece uma dialética interessante: num ponto crucial, Manny emociona-se tanto pela memória que o filme regista, como pelo facto de ter sobrevivido às encruzilhadas da época.

Nesta orgia de imagens e sons, a composição musical do norte-americano Justin Hurwitz, o colaborador de sempre de Chazelle, volta a ter um papel central. Desta vez as notas de jazz assumem contornos mais primais, adensando as sequências com a voracidade equiparável aos apetites inesgotáveis das personagens. Alguns temas, inclusive aquele que embala o romance platónico de Manny e Nelly LaRoy, partilham o mesmo ADN da composição de “La La Land: Melodia de Amor” (2017). A familiaridade é bem-vinda, principalmente quando falamos de música de qualidade.
Damien Chazelle é um dos jovens realizadores que está na linha da frente do cinema contemporâneo dos Estados Unidos. Tempos em que o cinema olha cada vez mais para dentro, para a(s) sua(s) história(s), como se procurasse na introspeção um devaneio, uma loucura ou uma poeira mágica que lhe foge entre os dedos. Os efeitos da tecnologia na cultura e na sociedade estão a transformar o cinema, que já não tem a popularidade ou o prestígio de outrora. Quem sabe se, à semelhança de 1927, não estamos a viver um ponto de inflexão que vai mudar o rumo da indústria cinematográfica para sempre.
Se queres que OBarrete continue ao mais alto nível e evolua para algo ainda maior, é a tua vez de poder participar com o pouco que seja. Clica aqui e junta-te à família!