Há uns meses atrás, assisti ao programa Linhas Cruzadas, da TV Cultura do Brasil:
Um dos poucos programas a que assisto, pela amplitude dos temas abordados com as presenças do filósofo Luiz Felipe Pondé e da jornalista Thaís Oyama. Neste em específico, a dupla questionava o mal-estar da contemporaneidade e com brilhantismo relacionaram as análises do médico psiquiatra Sigmund Freud (1856-1939) e do sociólogo Zygmunt Bauman (1925-2017).
O famoso ensaio de Freud acerca do mal-estar da civilização é um clássico, um dos textos mais contundentes do século XX. Lidava ele com os desejos e a consequente interdição visando a uma sociedade mais regrada. A liberdade era relativizada em defesa do bem comum. Tudo dentro dos limites, como se um verniz civilizatório nos moldasse para que não nos vissem na crueza da madeira dura e feia. Não que Freud fosse moralista, ele apenas observava o seu tempo com viés crítico. Um exemplo clássico disso deu-se comportamentalmente com os ideais de família estadunidense pós-Segunda Grande Guerra.
Com a repressão do macarthismo e, lembremos que a sociedade norte-americana ainda hoje é bastante reacionária, vimos os movimentos de contracultura e os brados pela liberdade e desejos de autoafirmação. “É proibido proibir”, lema que tomou conta das ruas de Paris no Maio de 1968, o observado é que as condutas conviveram de modo mais ou menos harmónico e isso permeou até ao começo deste século.
O que Bauman observou com brilhantismo é que a liberdade exacerbada com a qual lidamos hoje oferece-nos um paradoxo crucial. Tudo bem, afinal, somos livres, mas o que devemos e podemos fazer dessa liberdade? Assim, o mal-estar da pós-modernidade nos delega a responsabilidade total e irrestrita para sermos quem desejamos ser, não há nada a nos coibir, pelo menos aparentemente e, desde que não fira o Contrato Social.
Como o filósofo é aquele que julga as coisas do seu tempo, não podemos dar primazia a um em detrimento ao outro. Como se disséssemos que Freud estava errado (longe disso), mas entendermos o contexto em que estava inserido, ao passo que Bauman teve a primazia de diagnosticar o presente sentado nos ombros de gigantes. Simples assim! Não é por não saber que o sistema solar continha nove planetas que Aristóteles é um filósofo menor.
Refletindo sobre o diálogo de Pondé e Oyama, lembrei-me de uma música dos Engenheiros do Hawaii, O Preço, com letra de Humberto Gessinger, que segue:
“O preço que se paga às vezes é alto demais
É alta madrugada, já é tarde demais
Pra pedir perdão, pra fingir que não foi mal
Uma luz se apaga no prédio em frente ao meu
Sempre em frente, foi o conselho que ela me deu
Sem me avisar que iria ficar pra trás
E agora eu pago meus pecados
Por ter acreditado que só se vive uma vez
Eu pago meus pecados
Por ter acreditado que só se vive uma vez
Pensei que era liberdade
Mas, na verdade, eram as grades da prisão
Da prisão
O preço que se paga às vezes é alto demais
É alta madrugada, já é tarde demais
Mais uma luz se apaga no prédio em frente ao meu
É a última janela iluminada
Nada de anormal, amanhã ela vai voltar
Enquanto isso eu pago meus pecados
Por ter acreditado que só se vive uma vez
Eu pago meus pecados
Por ter acreditado que só se vive uma vez
Pensei que era liberdade
Mas, na verdade, me enganei outra vez
Outra vez
E agora eu pago meus pecados
Por ter acreditado que só se vive uma vez
Eu pago meus pecados
Por ter acreditado que só se vive uma vez
Eu pago meus pecados
Por ter acreditado que só se vive uma vez
Pensei que era liberdade
Mas, na verdade, era só solidão
Solidão“
Reflitamos sobre os dilemas da nossa época e, conversando com cada um dos leitores que se dispuseram a ler este texto: o quanto o excesso de liberdade de hoje em dia tem-nos constrangido? Podemos falar num mal-estar neste momento da civilização? O que nos reserva o futuro? Certamente algum outro pensador se debruçará sobre esta tese (Freud) e antítese (Bauman) no propósito de uma nova tese.
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