“Candyman” (1992), de Bernard Rose, estreou numa temporada fatídica para o cinema slasher. Depois de duas décadas onde deu cartas, o subgénero tropeçou no fosso das sequelas derivativas e da qualidade diminuta. O ponto de viragem deste declínio profundo é tradicionalmente apontado a “Gritos” (1996), de Wes Craven – que incorporou a comédia negra e o meta-comentário. Todavia, a sua revitalização começou com “Candyman”: a trabalhar como uma anomalia, a longa-metragem protagonizou um vilão negro, apresentou pouquíssimas mortes no grande ecrã e ainda teve a ousadia de estar mais carregado de emoção do que o habitual filme desta natureza.
Um rápido avanço e estamos em 2021. Os slashers mais consumidos são compostos por reboots ou sequelas espirituais. Termo utilizado por Jordan Peele, produtor e coargumentista, aquando a descrição de “Candyman”. O filme que vem dar resposta ao contínuo apetite por cinema que explora os desesperos da raça negra e os seus traumas. Temas sociais prementes que por meio da arte do arrepio refletem e facilitam a digestão de sentimentos que ainda hoje fervilham na superfície dos nossos tempos. Nia Da Costa, a curiosa realizadora e coargumentista, com o auxílio da escrita de Win Rosenfeld e Peele, têm o coração no lugar certo, ainda que demasiada ânsia em contar-nos os seus desígnios.
A narrativa decorre em 2019, muitos anos depois dos últimos edifícios de Cabrini-Green terem sido demolidos. Anthony (Yahya Abdul-Mateen II), um artista visual e Brianna (Teyonah Parris), a sua parceira curadora, mudam-se para um apartamento na cidade que está agora gentrificada.

É nesse espaço assombrado que Anthony fica a conhecer a história real por trás do mito de Candyman – uma versão simplificada dos eventos do filme de 1992, com mudanças que revelam a deturpação da memória coletiva e a influência da expressão “quem conta um conto acrescenta um ponto” no ato narrativo oral. Impaciente por imprimir os detalhes sombrios da narrativa nas suas pinturas, Anthony começa a criar arte adjacente à mitologia de Candyman, com efeitos na sua saúde mental e do bem-estar físico dos demais.
Importa referir que Nia Da Costa sabe como realizar um filme. Em sincronia com o diretor de fotografia John Guleserian, a cineasta compõe imagens em profundidade e com uma deliciosa atenção ao detalhe cromático. Por vezes a mistura de azuis e vermelhos suscita uma estética atraente, em contraste com o conteúdo das cenas. Noutros instantes, são os amarelos doentios que evocam deliberadamente um tom perverso, por vezes com abelhas à mistura. Em todo o caso, as cores vibram no ecrã e refletem os cuidados da produção.
Ao ponto de pensar que de um ponto de vista imagético, “Candyman” é demasiado bonito para o domínio do terror. O seu antecessor tem um mix de crueza com misticismo que assenta melhor à matéria em causa. Mesmo quando a figura imponente, com um gancho no lugar da mão direita, aparece após o método de conjuração – proferir a palavra “Candyman” cinco vezes seguidas ao espelho – horror não é o termo que define a sua ameaça. Pese embora seja meticuloso na construção do suspense, principalmente por meio de montagem cirúrgica em simbiose com o design sonoro, a longa-metragem não assusta nos momentos chave.

Talvez por deambular em excesso sobre as suas intenções, ao contrário de, por exemplo, “Foge” (2019), que comunica mais em termos visuais. Há um exagero de aposta no texto, na verbalização de injustiças sociais e do facto de o racismo estrutural ter implícita a ideia de que a subjugação da raça negra não acaba, adapta-se à época. Em consequência, a força do subtexto que ilustra a figura de Candyman enquanto símbolo da angústia de um povo, dilui-se. Desembaça, contudo, quando realmente é um filme: uma história contada através de imagens.
Com isto, é difícil olhar para “Candyman” de 2021 e não ver as inscrições das políticas contemporâneas um pouco por todo o argumento. Em relação ao seu antecessor, que é um projeto mais focado e experimental, sente-se o saudosismo da composição musical litúrgica de Philip Glass e da substância melancólica que palpita da história. Pois por construtiva que seja a visão de Nia Da Costa, a indecisão de fazer pensar ou de querer assustar é, em última instância, uma fragilidade que o impede de ir mais além. Continua pertinente, no entanto, pela realização voluptuosa e pela curiosidade constante de saber o que vem ao virar da cena.
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