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de mau a pior #3

O lugar era Nova Iorque, 1975. Haviam passado cinco anos desde a sua saída dos The Velvet Undeground. Os seus primeiros álbuns transformaram Reed num ícone do glam rock, uma imagem que o próprio criou por completo ao vestir-se de couro, com óculos de sol e cabelo descolorido. Numa altura que o vício da heroína começava a ter grandes proporções na vida de Reed, é lançado “Metal Machine Music”, claramente o disco mais controverso da sua carreira, que acabaria por se tornar num dos álbuns mais infames de todos os tempos. Na crítica, é um trabalho mais discutido do que ouvido. Intitulado como barulho inaudível, faz agora parte de inúmeras listas dos piores discos de sempre.

Ao afastar-se por completo do formato canção, Reed apresenta uma entrada única na sua discografia. No seu apartamento em Manhattan, o músico instalou amplificadores e algumas guitarras elétricas afinadas na mesma nota e, simplesmente, gravou. Apesar de não tocar, ele permitiu que o loop de feedback criado entre as guitarras e os amplificadores continuasse, movendo-os e gravando longos trechos de ruído por um período de algumas semanas.

Para o álbum, Reed levou dezasseis dessas gravações, cada uma com aproximadamente dezasseis minutos de duração. Para cada um dos quatro lados do LP duplo, o artista juntou duas peças de dezasseis minutos para o canal estéreo direito e mais duas para o esquerdo, criando uma cacofonia quádrupla de noise que dura uma hora, capaz de desconcertar o cérebro como uma bomba atómica para os sentidos. Nas entrelinhas do álbum, Lou Reed reclama para si a invenção do heavy metal, sendo este “Metal Machine Music” a conclusão disso mesmo.

“Well, anyone who gets to side four is dumber than I am.”


Lou Reed

As intenções de Reed são tão opacas quanto os óculos de sol espelhados que usava. Por isso, existe todo o tipo de boatos, desde que o disco foi uma mera obrigação contractual ou uma manobra de Reed para se livrar da editora ou, então, uma piada. O próprio nunca clarificou se “Metal Machine Music” fora uma verdadeira visão do artista. Contudo, Reed já mencionara o compositor norte-americano Le Monte Young, juntamente com a música drone feita nos anos 60, como principal influência.

Lou Reed em entrevista para os media australianos, em 1974

Em suma, “Metal Machine Music” é quase como se alguém colocasse os The Velvet Underground num escoador e a única coisa que restaria seria o ruído. Uma vez, Lou Reed disse “most of you won’t like this and I don’t blame you at all. It’s not meant for you“, referindo-se ao disco, não como um trabalho musical, mas como uma obra intelectual. Na minha opinião, estamos perante uma obra pioneira, que previu o noise rock que viria a ser feito na década de 1980. Apesar da difícil digestão que poderá provocar, este disco é um mimo para quem procura o ruído num dos sentidos mais abstratos.

João Filipe

Rating: 3.5 out of 4.

Esta crítica faz parte da série “de mau a pior”, um projeto de João Filipe, cuja visão consta na busca da pior obra nos diferentes contextos, quer seja literário, cinematográfico ou musical, mantendo sempre a seriedade de uma análise minuciosa. Quer sejam trabalhos notáveis com uma crítica negativa por parte de profissionais e grande público, quer sejam más experiências pessoais, todas estão aptas de entrar na série. Se porventura o leitor tiver alguma recomendação que gostasse de ver esmiuçada aqui no site, basta deixá-la nos comentários.

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