Perante a crença ou o ceticismo espiritual do indivíduo, os acontecimentos paranormais são encarados de formas completamente distintas. Aquele barulho suspeito no repouso do lar, ouvido pela noite dentro, faz com que alguns rezem o terço e sintam que é pouco, enquanto outros referem a pronto que é preciso chamar o canalizador. Ambas as reações são válidas e como “The Conjuring – A Evocação“, título em português, é baseado em factos reais podem, de certo, influenciar a forma como interpretam a matéria obscura da narrativa. Salvo, no entanto, que se a condição humana é possuída por algo, esse algo é uma tremenda dose de incerteza.
Pelo contrário, Ed e Lorraine Warren (Patrick Wilson, Vera Farmiga) acreditam piamente no oculto. Tanto que se dedicam à infame investigação de eventos assombrosos. A sua cave está repleta de artefactos, desde brinquedos até objetos decorativos inócuos à vista desarmada. Uma vez por mês, o arrumo é benzido por um padre, não vá o diabo tecê-las, com tamanha carga de pecado. No entanto, é raro o caso em que de facto algo de infernal ocorre nas casas dos queixosos: “é habitual existir uma explicação racional“, refere Lorraine a um casal aliviado.

Um sentimento que não é partilhado por Roger e Carolyn Perron (Ron Livingston e Lili Taylor), que em conjunto com as suas cinco filhas começam a ser vítimas de eventos perturbadores pouco depois de se mudarem para a nova casa. Uma habitação com 150 anos de história comprometedora, onde se desenrola a maior parte da ação maligna: um pressentimento canino, odor pútrido, pontos inexplicavelmente frios, ponteiros de relógio que petrificam à hora certa e visitas noturnas indesejadas. Sintomas que conjuram pavor suficiente para impulsionar os Perrons a convidar os Warrens a medir o termómetro espectral.
O realizador australiano James Wan afasta-se das suas origens de terror tortuoso – “Saw – Enigma Mortal” (2004) – e aproxima-se da matriz clássica do cinema de horror dos anos 70, inspirando-se em títulos como “O Exorcista” (1973) e “Amityville – A Mansão do Diabo” (1979). O sobrenatural colide com o demoníaco para oferecer uma história que, apesar de não reinventar o subgénero da casa assombrada, aplica as convenções com confiança e um certo grau de frescura. Dentro dos principais fatores que contribuem para esta lufada de satisfação medonha estão a mecanização sofisticada das sequências de suspense e a credibilidade imposta em cena pelas prestações dos atores.
A longa-metragem constrói momentos de grande antecipação com recurso a técnicas minimalistas como potentes batidas na madeira, portas que se movem lentamente ou figuras escondidas nas sombras (neste último caso, são as reações das personagens que ativam os sensores imaginativos da audiência com perícia). Os jumpscares são parte integrante da fábrica da narrativa, uma consequência das emoções extremas que incorrem pelas entranhas dos desafortunados. Longe da estrondosa epidemia de barulhos desajeitados que contaminam uma quota-parte generosa dos filmes contemporâneos do género.

Por outro lado, a seriedade com que os intérpretes enfrentam a câmara ajuda a penetrar na atmosfera tenebrosa que ronda o domicílio. Wilson e Farmiga empregam expressões de quem já viu mundo, profissionais de ponta num dos ramos mais questionados de sempre. Acima de tudo, procuram a verdade da circunstância, sem qualquer desejo mórbido de encarar o mal de frente. Ainda que nas entrelinhas, o argumento explora suficientemente a sua relação de forma a gerar simpatia, à semelhança do que acontece com a família assombrada. Em oposição à descrença do pai em “Insidious – Insidioso” (2010), os parentes em “The Conjuring” apoiam-se mutuamente e, pese embora não sejam cristãos, dão um necessário salto de fé.
Não tem um desenlace de qualidade equivalente à introdução e ao conflito, fruto de um ritual hollywoodesco apressado e de pouco impacto. Um desconsolo no seio de uma obra madura, com uma câmara participativa, que revela um progresso interessante da carreira de Wan pelos confins negros do cinema de terror. Um autor que tem a capacidade de nos transportar para 1971 e percorrer os caminhos perigosos de Ed e Lorraine Warren, que apesar da inevitável apologia católica, tem a lente calibrada para o fim último do entretenimento – independente do que cada um acredita.
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2 thoughts on ““The Conjuring”: Possessão à moda antiga”