viva o rock brasileiro #5
Voltando à casa de minha prima, tomei conhecimento de um álbum de um conjunto interessante: Legião Urbana. Lembro que à primeira vista observei rapazes sisudos na capa e ao fundo um sujeito que mais parecia um professor de História do ensino secundário. Renato Russo era o seu nome. Ouvi o LP “Que país é este” e fiquei impressionado com a canção que durava mais de nove minutos, Faroeste Caboclo.
Quase uma obra literária a saga de João de Santo Cristo e a sua vinda para Brasília, o seu amor por Maria Lúcia, a sua entrada no mundo do crime e a briga por território com um outro traficante de nome Jeremias. Ouvia a canção inúmeras vezes, decorava a letra e aos poucos fui-me aprofundando na obra. As canções são:
Que país é este
Conexão Amazônica
Tédio (com um T bem grande para você)
Depois do começo
Química
Eu sei
Faroeste Caboclo
Angra dos Reis
Mais do mesmo
Um rock cru, direto e sem firulas. Somavam-se ao intelectual admitido Renato Russo (vocais), Dado Villa-Lobos (guitarra), Marcelo Bonfá (bateria) e Renato Terra (baixo). Tratava-se do 3.º disco desta banda vinda de Brasília. Não eram muito de aparecer em programas de auditórios como o “Cassino do Chacrinha” e mesmo em espetáculos, não me lembro de terem comparecido à minha cidade. As letras cults de Renato e o som ferino logo angariaram uma legião de fãs, e no rock nacional ganharam status de uma das melhores bandas, senão a maior.
Um brado pode ser observado na canção que empresta o título ao LP. Meçam cada sentença:
“Nas favelas, no Senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
No Amazonas, no Araguaia iá, iá
Na Baixada Fluminense
Mato Grosso, Minas Gerais
E no Nordeste tudo em paz
Na morte eu descanso
Mas o sangue anda solto
Manchando os papéis, documentos fiéis
Ao descanso do patrão
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Terceiro mundo, se for
Piada no exterior
Mas o Brasil vai ficar rico
Vamos faturar um milhão
Quando vendermos todas as almas
Dos nossos índios num leilão
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?“

Assistindo também ao telejornal “Jornal Nacional” da TV Globo, aos poucos o espírito crítico foi brotando no garoto. O presidente do Brasil era José Sarney, com os seus pronunciamentos austeros em horário nobre, com planos e planos económicos que fracassaram um atrás do outro. Uma época tumultuada aquela, SUNAB, congelamento de preços, as fiscais do Sarney, plano Funaro, ainda escrevendo a Nova Constituição do país que seria promulgada no ano seguinte. Nesse cenário tumultuado e de carestia, o rock era uma válvula de escape.
Química é uma daquelas músicas típicas de adolescentes: as dificuldades com o vestibular e o aprendizado da matéria. Percebe-se nas letras a não adaptação aos refrãos simples e ‘bobinhos’. Ao contrário, é o som que se deve adaptar à verborragia de Renato Russo, tido como o irmão mais velho de todos nós à época. Por isso o grito “É Legião, É Legião” nos concertos, e o séquito só aumentava. Vamos viajar no embalo de uma letra chamada Depois do Começo? Vai assim:
“Vamos deixar as janelas abertas
E deixar o equilíbrio ir embora
Cair como um saxofone na calçada
Amarrar um fio de cobre no pescoço
Acender o intervalo pelo filtro
Usar um extintor como lençol
Jogar polo-aquático na cama
Ficar deslizando pelo teto
Da nossa casa cega e medieval
Cantar canções em línguas estranhas
Retalhar as cortinas desarmadas
Com a faca surda que a fé sujou
Desarmar os brinquedos indecentes
E a indecência pura dos retratos no salão
Vamos beber livros e mastigar tapetes
Catar pontas de cigarros nas paredes
Abrir a geladeira e deixar o vento sair
Cuspir um dia qualquer no futuro
De quem
Já desapareceu
Deus, Deus
Somos todos ateus
Vamos cortar os cabelos do príncipe
E entregá-los a um deus plebeu
E depois do começo
O que vier vai começar a ser o fim
E depois do começo
O que vier vai começar a ser o fim
E depois do começo
O que vier vai começar a ser o fim
E depois do começo
O que vier vai começar a ser“
Analisando em retrospetiva, é um álbum que encerra um ciclo do grupo, somado aos dois primeiros LPs, “Legião Urbana” e “Dois”. Este último merece um capítulo à parte, que explorarei mais à frente.
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3 thoughts on ““Que país é este”, Legião Urbana: É Legião, É Legião, É Legião…”