Desculpem a minha ignorância, mas só soube do nome e trabalho de Marie Curie (1867-1934) quando estive, em novembro de 2017, no Panteão Nacional da França. Digamos que o meu conhecimento acerca das ciências físicas e químicas é baixíssimo, mas admirei a personalidade pelo facto de ter sido a primeira mulher cientista a ganhar um Prémio Nobel, no caso dela, dois, um em parceria com o seu esposo.
Assim sendo, o filme “Radioactive”, em português com o título “Radioativo”, foi para mim prazeroso, para conhecer de modo romanceado esta controvertida mulher. Realizado por Marjane Satrapi, com argumento de Jack Thorne, este filme britânico de 2019 conta com Rosamund Pike (que teve que se enfear um pouco para interpretar Marie), Sam Riley, Anya Taylor-Joy, Aneurin Barnard e outros. Este encontra-se disponível na Netflix Brasil.
A película inicia-se com a nossa protagonista a cair e a ser levada para um hospital. Deitada, vê as lâmpadas foscas do lugar e estes pequenos fachos de luz parecem significar uma retrospetiva da sua vida até aquele momento. Se já é cliché afirmar que às vésperas da morte passa um vídeo de 60 segundos diante dos nossos olhos, o certo é que ninguém nunca voltou do mundo dos mortos para nos narrar a experiência, sendo que alguns afirmam apenas a experiência de quase morte. Mas não existe quase morte, da mesma forma que não existe quase gravidez. Vamos explorar um pouco.

Os flashbacks começam com o encontro em colisão entre Pierre e Marie, e o mote é o caderno de anotações desta que cai ao chão e é lido por ele, claro que rapidamente. Eles têm em comum o facto de serem cientistas renomados, embora Marie viva às turras com o departamento da sua universidade, exigindo um laboratório melhor e sendo solenemente ignorada pelos seus pares, todos homens. Desse encontro nascerá um amor racional, intelectual e com o passar dos dias, extremamente afetuoso e conturbado. O trabalho é semelhante ao do auxiliar de construtor de casas.
Uma equipa tem de escavar minérios, incluindo Marie, peneirar, moer, filtrar, decantar e afinal que raio fazem estes cientistas? Eles descobrem elementos, sendo dois os mais destacados: o rádio e o polónio. Este último fica como referência ao país de origem de Marie Curie, uma judia que migrara para França para estudar e se transformar num ícone.
O rádio é um elemento incrível, o frasco verde que ela carrega sempre consigo traduz-se em beleza e a sua luminosidade encanta-nos. O casal é bom para ter filhos, alternando os momentos entre casa e laboratório, e com a indicação de Pierre para o primeiro Nobel de ambos, enquanto ela está em casa cuidando da cria, ele é laureado e o ciúme intelectual explode numa raiva incontida, por ela se sentir preterida da viagem a Estocolmo. Trata-se de mais um rompante de mulherzinha. Mas até isso é perdoado.

Enfurnados no laboratório, os dois cientistas e a equipa são expostos a efeitos colaterais derivados dos elementos e quando a anemia aliada à tuberculose acomete Pierre, eles percebem que para além do bem existem riscos, sentindo isso na pele. Neste aspeto, é prazeroso saber acerca das fundamentações científicas práticas, como um aparelho de raio-X que passaria a evitar cirurgias e amputações desnecessárias, os tratamentos com o elemento nas denominadas radioterapias e num flash Marie está, ao lado da sua filha Irene, na frontline da 1.ª Guerra Mundial salvando vidas, e ela (Marie) que odiava hospitais.
No momento em que coincidem o início e o final do filme, no transporte de maca nos momentos finais da sua vida, são incluídos flashbacks do que ainda não havia acontecido, uma espécie de “Reminiscências do que está por vir” (título de um romance de minha autoria). A bomba nuclear nas cidades japonesas e os testes no deserto norte-americano, onde o elemento nuclear derretia as coisas como se fossem plásticos ao fogo. Uma viagem até à Chernobyl de 1986: o acidente nuclear que impacta a Europa até os dias de hoje.
Na vida pessoal, Marie meio que comeu o pão que o diabo amassou. Após a morte de Pierre (de quem devotava excessiva paixão) fica amiga de um homem casado e a patrulha moralista francesa faz vigia diuturna em frente à sua casa, atribuindo-lhe os adjetivos mais vulgares, sendo o principal o de polaca judia suja. Infelizmente, essa mentalidade antissemita seria muito bem aproveitada pelo político alemão Adolf Hitler (1889-1945).
O interessante, a meu ver, é que o tempo lhe fez justiça, e agora consigo retornar ao início desta análise e entender que ela sendo polaca, está no Panteão das grandes personalidades francesas, ao lado de Voltaire, Émile Zola, Victor Hugo e mais alguns célebres. Um filme adequado para entendermos o básico acerca de radioatividade e uma ode à ciência no início do século XX.

Se queres que OBarrete continue ao mais alto nível e evolua para algo ainda maior, é a tua vez de poder participar com o pouco que seja. Clica aqui e junta-te à família!