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Porque A Arte Somos Nós

O título acima refere-se a uma frase de Victor Hugo, escritor francês (1802-1885). Concordo com ela. Não que Victor Hugo sofresse dessa falta de reconhecimento, ainda para mais quando percebemos que este foi um “escritor por excelência” na França de então. Mas, que tal convidarmos o sábio para uma visita à realidade dos nossos dias?

Nestes tempos sombrios e de pouca profundidade, observo pessoas carentes e inseguras acerca dos seus ofícios mendigando curtidas no Facebook como atestado e garantia de sucesso do seu “trabalho”. Ficam chateados quando a empresa de Mark Zuckerberg limita a cinco mil amigos o seu perfil e as possibilidades de contato.

Victor Hugo

São adeptos da antiga canção de Erasmo e Roberto Carlos (dois dos mais importantes compositores brasileiros do movimento que ficou conhecido como a Jovem Guarda): “Eu quero ter um milhão de amigos“… e acreditam que número significa sucesso, a conquista, a glória. Uma aulinha básica de matemática ensinaria a muitos néscios a questão da perceção numérica. Como ter tantos e tantos amigos? Parafraseando o Joker de Heath Ledger: “E eu pensei que minhas piadas eram ruins!“.

A Internet produziu um mostrengo curioso aliando vídeos, acessos, idiotas e livros. Funciona assim: um sujeito idiota grava vídeos para pessoas (também idiotas) e proliferando como praga a coisa vai de acesso a acesso a um número exorbitante. O idiota é um youtuber! (volto a recorrer ao Robin: “Macacos me mordam!“). Algumas editoras de livros, de olho nesse nicho comercial, contratam o infeliz para publicar um livro. Reafirmando: o youtuber idiota produz um livro (idiota) para pessoas (idiotas).

Recorro a Umberto Eco para atestar que ele também se referia, bem há pouco, à quantidade de idiotas que observava ao seu derredor. Bom, aí ocorre uma Bienal ou Feira do Livro, e essas atrações travestidas de escritores de livros alastram-se como uma praga de gafanhotos. Eu mesmo passei um “carão” quando, numa Bienal, a minha agente literária me apresentou a um destes “fenómenos”. Fiz sinais de fumaça para que ela me socorresse, pois na verdade eu questionava-me: “Mas quem é este famoso quem?!“.

Umberto Eco

Num mundo de aparências em detrimento às essências (aulinha básica de Platão), vou montando as minhas trincheiras e barricadas: literatura clássica francesa, alemã, russa, filosofia de alto nível e inquietação acerca deste mundo em escombros no qual estamos a viver. Insistir no Q da qualidade ao invés do Q da quantidade. Procurar, na medida do possível, e mesmo via Internet, lidar com pessoas de carne e osso, respeitando os seus sentimentos, desejos, vontades. Como escritor, não fazer fan-page e iludir-se com mil curtidas e nenhuma crítica literária séria sobre uma obra da sua autoria, enfim, singrar novos mares e desconfiar de coisas muito populares.

Ser popular é reivindicar glória efémera, para bajular o ego em detrimento de mensagens que poderão designar a sua obra como um testemunho de uma época. Seguindo o exemplo de Victor Hugo, a minha maior ambição é trabalhar a minha função de escritor e pensador, pois tenho a plena convicção que os meus escritos reverberarão ao longo dos séculos. Duvidam do que eu digo? Em vida, Nietzsche chegou a vender apenas e tão somente cinco exemplares de um livro que ele pagou do próprio bolso para ver publicado.

Se por ventura resolver publicar este meu texto no Facebook, constatarei a verdade dos meus argumentos: obterei poucas curtidas, pois o texto será longo. Deixemos aos youtubers e às celebridades da televisão a popularidade… a glória dos medíocres!

Marcelo Pereira Rodrigues

Pintura de Philippe de Champaigne, “Last Supper”

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