O Cinema é visto como uma transformação das ideias em imagens visuais. Mas não se resume a essa transposição. Ele próprio convida o espectador a fechar os olhos para assistir a um filme. É um apelo à visão interior, é uma viagem própria, identitária do Eu, que capta a realidade e lhe dá significância. Para isso, para essa experiência se tornar um tanto ou quanto catártica, a arte tem de ser provocante e interrogar, incessantemente, o espectador. O trabalho deste requer tempo, dedicação, comprometimento. Como em tudo, ver é diferente de olhar.
Neste processo, é a linguagem quem fala. O homem responde à linguagem, escutando o que ela diz – num autêntico convite ao distanciamento poético. A questão da consciência, de naquele momento haver uma espécie de “hipnotismo poético” para com o auditório – escravos da arte, que nos dá emoção, vida (o real propósito da Arte) – mostra que estamos apenas semi-despertos em nós. Decerto, uma ideia muito interessante, quando tentamos definir” génio“, é dizer que este “é quem faz desperto o que os outros fazem em sonhos”, ou seja, ter uma confiança indizível para com a sua inconsciência criativa. Efectivamente, na imagem que nos é dada encontramos tudo, a fonte, o gatilho para o processo inconsciente, e um distanciamento para com a realidade. O início de um sono para com a materialidade, como todas as boas experiências que nos elevam, intelectual e humanamente. Que é visível onde? Na sobreposição de espaços, nos seus desvios e contornos audazes, e nas suas inversões de sentido literário.
A experiência cinematográfica não é mais do que a demonstração mais profunda da nossa heteronímia íntima, que vai revelando o seu poder, na procura por significância e ordem, num “abismo” de imagens e sons. No interlúdio, construímos a nossa própria ordem, numa consciência e lógica difusas. Isto é, um filme não é mais que “o nosso último sonho“, do qual conseguimos retirar uma homenagem para com a inconsciência com que o vemos, como o sentimos e como o criamos dentro de nós. Vemos também o sonho na nossa tentativa de conduzir o Desconhecido (a narrativa), rumo ao encontro com o Impossível (ficção freudiana). Ao querermos atribuir significância ao real, ao que vemos, encontramos o campo da intangibilidade criativa, nessa exacta transposição, novamente, do que vemos para o que somos.
Por fim, há não só películas que nos fazem sonhar para nos proteger do nosso sono para com a realidade, mas também existem filmes que nos acordam, que nos despertam para a vida.
Um filme é o que levamos para casa, às vezes eternamente, quando ele próprio foi capaz de se recriar em nós e contar a nossa verdade, coexistindo com o mundo.
“O cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho“
Orson Welles (Cineasta, 1915-1985)
Imagem retirada do filme “Inception”, de Christopher Nolan (2010)