“A Dália Negra” (no original, “The Black Dahlia“), de 1987, foi escrito pelo californiano James Ellroy e é o primeiro livro da série que viria a ser conhecida mais tarde como “O Quarteto de Los Angeles”, formada, como o nome indica, por quatro livros, todos situados no género policial. Tal como muitos romances publicados durante os anos 70 e 80, “A Dália Negra” mostrou-se como uma das muitas tentativas de reinventar o género noir, que atingira o seu auge algumas décadas antes. Por coincidência, ou talvez não, os acontecimentos do livro ocorrem sobretudo durante os anos 40 na cidade de Los Angeles, em particular nos escritórios do Los Angeles Police Department (LAPD).
O primeiro terço do livro é dedicado à introdução e exploração dos protagonistas Dwight “Bucky” Bleichert e Lee Blanchard, colegas no LAPD e, paralelamente, boxers rivais conhecidos como o Senhor Gelo e o Senhor Fogo, respetivamente. Contra todas as expectativas, a sua relação vai-se tornando mais forte, culminando na sua parceria na polícia e numa forte amizade, muito por culpa de Kay, companheira de Lee, que introduz na história um subenredo de um retorcido triângulo amoroso. Embora nesta secção inicial seja dada a devida importância aos dois polícias, a narração na primeira pessoa por parte de Bucky aproxima mais o leitor deste elemento do duo.

Decorrido cerca de um terço do livro e ainda sem qualquer referência ao crime que lhe dá nome, esta arrastada introdução revela-se uma escolha arriscada por parte de Ellroy, tendo certamente perdido muitos leitores até ao início da segunda parte da história. Finalmente, em Janeiro de 1947 é encontrado num parque de estacionamento o corpo mutilado de Elisabeth Short, causando uma grande sensação nos meios de comunicação, que a apelidariam de “A Dália Negra” (tanto no livro como no caso real que inspirou a história).
O caso é atribuído a Lee, mas Bucky não deixa de estar indiretamente presente nas investigações, seja para narrar a sequência de acontecimentos, sobretudo a obsessão que Lee vai criando com o caso, bem como numa investigação lateral que Bucky vai conduzindo e que acredita estar ligada ao desaparecimento da Dália Negra.
Algo que viria a marcar toda a tetralogia que “A Dália Negra” inicia é o elevado número de subenredos (sobretudo investigações) e, consequentemente, de personagens. Além da investigação do caso de Elisabeth Short, o livro inclui investigações ligadas a vários casos de gangues, corrupção, chantagem e homicídio. Um leitor atento e resiliente é, no final, recompensado, pois este grande miolo narrativo converge numa narrativa central, além de fazer um retrato praticamente perfeito do mundo do crime (sob o ponto de vista da polícia) em meados do século XX.

O estilo de James Ellroy é algo que se destaca, muitas vezes chamando a atenção para si mesmo com uma escrita muito negra, que anda de mãos dadas com a sua visão pessimista e denegridora do governo e das forças de segurança americanas. Não só nos diálogos, mas também na narração são usados termos muito característicos da era dos anos 40, sobretudo das zonas criminosas (algo que a infância do autor passada nestas zonas ajuda a explicar). Por vezes, as frases e termos parecem algo simplificados e familiares, mas andam sempre de mãos dadas com as funções da narrativa.
O termo page turner, embora já tenha perdido muito do ímpeto, sobretudo dada a sua banalização, é completamente apropriado para a história criada por Ellroy. A existência de inúmeras ramificações narrativas, a sua imprevisibilidade e a criação de personagens complexas ajudam a perceber o porquê do sucesso atingido pelo livro aquando do seu lançamento.
A adaptação ao cinema realizada por Brian de Palma em 2006 ajuda também a argumentar a favor da intemporalidade desta história, baseada num dos assassinatos mais chocantes do século XX e que, talvez por nunca ter sido resolvido na vida real, como que chama pela criatividade de quem lhe consiga colocar um ponto final.
Se queres que OBarrete continue ao mais alto nível e evolua para algo ainda maior, é a tua vez de poder participar com o pouco que seja. Clica aqui e junta-te à família!
One thought on ““A Dália Negra”: Muito mais do que um crime”