“Ad Astra” é um filme muito poderoso, um filme que trabalha com o sentimentalismo e com a verdade humana. Um facto muito importante é o passado nos “atormentar”: estará sempre presente mesmo que o ignoremos, mesmo que o ponhamos para trás das costas, ou seja, o passado é, muitas vezes, o nosso presente e determinará sempre o nosso futuro. Brad Pitt tem um papel muito consistente, consegue manter-se enquanto personagem (Roy McBride) muito neutro às vicissitudes do mundo, e é isso que lhe permite envergar por uma carreira de astronauta, tal como o seu pai (Clifford McBride – interpretado por Tommy Lee Jones), um dos maiores astronautas de todo o sempre. O filme tem uma vertente muito sentimental; claro que o facto de ser de ficção científica tem necessariamente de obedecer aos critérios já habituais de essência áudio-visual, mas é um filme que consegue ir muito mais para além disso. É um filme no seu todo; é muito interessante verificar que a gradação dramática do filme se faz sempre com muito pragmatismo, com muita clareza, muita objectividade, sem nunca abandonar a criatividade e a imprevisibilidade que estão adjacentes às grandes obras.
E agora, que mais há a destacar? O filme tem muita linguagem que não se faz por palavras, é muitas vezes indizível; é uma transmissão de mensagem muito, muito assertiva, sobretudo no que toca a nós termos sempre ciente que é fundamental não nos esquecermos de quem amamos, termos consciência de quem traz algum propósito à nossa vida. Por outro lado, o filme também é muito relevante na maneira como demonstra como podemos enlouquecer quando temos um único objectivo traçado, e o seguimos sem grande critério, desmedidamente, sem olhar para trás, nem para os lados, sempre cegos, digamos assim, na ganância – e ingratidão – de nós mesmos.
Tem um final muito, muito interessante, pois consegue fechar a cortina, novamente, com uma essência muito emotiva. Brad Pitt, a sua personagem, vai-se revelando sempre, como que aprendendo com os seus erros, olhando para aquilo que viu a sua vida profissional destruir a sua vida pessoal, sobretudo por exemplo do seu pai, que considera um herói, mas é precisamente nessa sua busca por conseguir perceber o que aconteceu ao seu pai, que desapareceu numa missão muito, muito importante – das mais importantes da história da humanidade, no contexto – desaparecendo há mais de uma década. Portanto, é nessa descoberta que vai percebendo que, de facto, a realidade não é bem como ele esperava: a intrínseca e a extrínseca.
É de lamentar o facto de “Ad Astra” estar fora das nomeações para os Globos de Ouro e para os BAFTA. “Ad Astra” tem uma cinematografia absolutamente incrível, invejável e fascinante; claro que filmes desta essência mais “no espaço”, como por exemplo “Interstellar” (Christopher Nolan, 2014) e “Gravidade” (Alfonso Cuarón, 2013), são-lhes quase inevitavelmente exigidos que a imagem valha mais que mil palavras, digamos. Muito importante também é perceber a forma como, ao longo do filme, Roy se vai revelando ao espectador, na forma subtil como percebemos o seu sofrimento, a sua solidão, o facto de a sua vida profissional ter arruinado e auto-mutilado o seu casamento e destruindo completamente essa união, tal como aconteceu com o seu pai. Ele mesmo diz: “Não tive filhos porque não os queria arrastar para uma vida de ausência”, pois foi isso que a personagem de Brad Pitt sofreu. Assim, uma pergunta com a qual “Ad Astra” nos deixa, que é muito, muito pertinente, é: até que ponto é que é importante atingirmos os nossos sonhos, se essa conquista, e a própria celebração é feita em plena solidão? Até que ponto é que não é mais importante termos pessoas ao nosso lado, e dosearmos mais as nossas expectativas e as nossas ambições, com um “público” (sentimental) e com um apoio que não seja individual, que seja exterior – não só interior –, do que ambicionarmos eternamente conquistas cegas, só para satisfazermos o nosso ego?
Tem um argumento muito bom – palmas para o realizador James Gray –pois, como todos os bons guiões, a mensagem, a obra, aquilo que o filme quis transmitir, ficou mais do que clara, mas não totalmente decifrável, porque todas as grandes criações deixam-nos a pensar, a reflectir – e a digerir o filme. É, portanto, essencialmente, um filme para levar connosco, como à estrela de nós mesmos. Mas é sobretudo no tom, muitas vezes na respiração da alma, que percebemos, em “Ad Astra” (do latim “rumo às estrelas”), que essa estrela não é algo que está acima de nós, mas que está dentro de nós.
Gostei muito de Ad Astra mas eu gostaria de uma edição sem as cenas de batalha no espaço. Acho que foi apenas uma distração do argumento para agradar um público maior.