Já se defendeu em textos anteriores que os videojogos têm a curiosa característica de que, tipicamente, a narrativa pode ser colocada em segundo plano. Se se fizer o paralelo com outros meios percebe-se que um filme, por muito bem realizado ou interpretado que seja, será criticado se não surgir de um bom guião. Do mesmo modo, não há prosa que valha aos romancistas se o conteúdo narrativo não for suficientemente aceitável. Já nos videojogos, desde que a jogabilidade seja cativante pode nem sequer haver uma história no sentido tradicional do termo (olhe-se para os casos de jogos tão distintos como “Counter-Strike” ou “Minecraft“).
Ainda assim, muitos dos melhores jogos dos últimos anos são aqueles que têm conseguido a proeza de aliar a vertente narrativa adaptada ao meio, por natureza interativo, dos videojogos. Por consequência, videojogos onde este elo não está seguro tenderão a desapontar quando olhados como um todo. É precisamente esse o principal defeito de “Maquette”, o jogo baseado em puzzles lançado em março de 2021. É o primeiro jogo do estúdio Graceful Decay, com carimbo da distribuidora Annapurna Interactive. Para perceber a razão desta desconexão ludonarrativa, importa inicialmente perceber estes dois constituintes isoladamente e, depois, como parte de um todo.

“Maquette”, como já referido, pertence ao género dos jogos de puzzles, contudo, apresentados de forma muito peculiar. O jogo ocorre num mundo recursivo, onde todos os objetos das redondezas (sejam edifícios, plantas e outros objetos) existem em versões infinitamente maiores e menores das que se podem observar. Muito daquilo que é necessário para resolver os problemas lógicos e avançar no jogo está relacionado com a necessidade de mudar objetos de escala (por exemplo, reduzindo o tamanho de uma chave para esta caber na fechadura), ou o tamanho do próprio jogador (para, por exemplo, passar por entre as tábuas de uma vedação), ao longo de sete secções que vão mudando o cenário, adicionando novos desafios e explorando novas ideias.
O principal mérito da jogabilidade é precisamente a criatividade da mecânica, que permite a criação de puzzles pouco convencionais. Embora haja mais de uma mão cheia de secções onde é preciso usar as mecânicas de alteração de escala de objetos, o jogo consegue raramente repetir-se e ir introduzindo ideias distintas que permitem a obtenção dos tão amados momentos “eureka“. Um dos poucos senões prende-se com alguma dificuldade no controlo e movimentação de objetos, que adicionam alguma frustração, sobretudo por, em algumas situações, ofuscarem a solução do problema.

A narrativa de “Maquette” retrata a história da relação amorosa entre Michael (Seth Gabel) e Kenzie (Bryce Dallas Howard). Esta é transposta para o ecrã através dos diálogos entre os dois personagens, sobretudo durante a transição entre secções do jogo ou em certos checkpoints, que aproveitam os momentos em que o mundo se transforma como suporte visual aos diálogos que se vão escutando. Ao longo do jogo, várias etapas da relação vão sendo retratadas, desde o momento em que os dois se conhecem até à sua eventual separação. A vertente narrativa do jogo é simples e curta, mas, quando analisada isoladamente, dá uma perspetiva interessante de um amor que, embora algo diferente, consegue ser igual a tantos outros.
Num jogo diferente, seria nestes parágrafos finais que a relação entre a história a ser contada e os enigmas do jogo seria analisada, destacando temas comuns e identificando os principais motivos. É, por isso, desapontante ver que “Maquette” deixa muito a desejar no que toca a relacionar história e jogabilidade. Não só o que é apresentado visualmente no ecrã não corresponde ao conteúdo dos curtos diálogos entre Michael e Kenzie, como, mesmo a um nível mais de subtexto, se torna complicado fazer essa associação.
Sendo um jogo que tem, quando analisadas individualmente, uma excelente vertente interativa e uma história acima da média, “Maquette” falha na unificação das suas partes de forma a convergirem num tema central. Ainda que numa das descrições do jogo seja afirmado que neste “é explorada a escala dos problemas mundanos numa história de amor moderna, onde muitas vezes os objetos mais pequenos podem ser obstáculos intransponíveis“, parece uma tentativa de ligação forçada. Talvez o único elogio que se pode fazer à inserção da narrativa do jogo é que personifica na perfeição o divórcio entre história e jogabilidade presente em “Maquette”.
Disponível em: PS4, PS5, Windows
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