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Porque A Arte Somos Nós

Desde que George Méliès alunou na esfera solitária da curta-metragem “Le voyage dans la lune” (“Viagem à Lua“,1902) que a animação se apresentou como o género indicado para dar asas à imaginação. Seja em dimensões alternativas ou ficções mais mundanas, os limites têm sido progressivamente quebrados. Há muito tempo que estamos num ponto em que, como referia o lendário cineasta norte-americano Stanley Kubrick: “Se pode ser escrito ou pensado, pode ser filmado“. Neste caso, filmado com matéria tracejada, pincelada e computorizada.

Tendo isto em conta, volta e meia todos os canons cinematográficos retornam à origem. É o caso de “Over the Moon”, em português “Para Além da Lua“, uma produção da Netflix que explora o badalado sentimento da perda no contexto da cultura chinesa. Os estímulos que levaram à idealização da história não são difíceis de apontar. Uma vez que a realização é levada a cabo por Glen Keane e John Kahrs, ambos conhecedores dos departamentos animados de estúdios como a Disney ou a Pixar. Ainda que o resultado final não seja particularmente inspirado.

Enquanto adolescente, Fei Fei (Cathy Ang) ouve a lenda antiga da Deusa da Lua: Chang’e (Phillipa Soo), contada pela sua mãe (Ruthie Ann Miles). Quando esta se junta aos defuntos, por motivos de doença, Fei Fei receia que o seu pai (John Cho) venha a casar com a Sra. Zhong (Sandra Oh). Expectante que as histórias que ouvira na juventude contenham a solução para impedir o evento, Fei Fei constrói um foguetão para chegar à lua e encontrar Chang’e. Sem calcular, a menina terá também de aprender a confraternizar com o seu meio-irmão, Chin (Robert G. Chiu), que está longe de ser uma companhia tranquila.

“Over the Moon” (2020)

O primeiro ato e a resolução do filme são marcados pela importância que a gastronomia típica chinesa tem no seio do lar. Não só como meio de subsistência, pois a comida é o negócio da família, mas também como símbolo de união entre o agregado. À semelhança de “Ramen Shop – Negócio de Família” (2018), este no âmbito da cultura japonesa, “Over the Moon” é capaz de aquecer o estômago e possivelmente aguar a boca. Um aspeto que é abandonado com rapidez assim que as prioridades da narrativa evoluem.

Assim que a lua integra o pano de fundo, as sensibilidades humanas convertem-se numa coleção incandescente de cenas quase alucinogénias. A arquitetura da animação, que previamente era detalhada e rigorosa, reduz os seus contornos a uma geometria simplória. As luzes néon esforçam-se para distrair os sentidos, no entanto, apenas danificam a experiência visual. Ao ponto de tornarem algumas imagens literalmente insuportáveis.

“Over the Moon” (2020)

Outro aspeto que, apesar de surpreendente, não contribui em grande escala para a história, é o facto de transformarem a Deusa Chang’e numa estrela pop. Tudo em prol de um par de números musicais que além de básicos não encaixam no tom da história. Um ser mítico que está em contrarrelógio para salvar o seu amado, tem tempo para dançar e cantar perante a multidão? Esta decisão artística contribui para a execução medíocre da narrativa. É um choque demasiado grande, não querendo soar carrancudo.

Até porque diverte minimamente. O animal de estimação de Fei Fei – Bungee, um coelhinho branco fofinho – é um ótimo acrescento de ternura; Gobi (Ken Jeong), um pangolim lunar, é um alívio cómico aceitável, ainda que seja difícil competir com o Olaf (Josh Gad) de “Frozen: O Reino do Gelo” (2013) ou Mushu (Eddie Murphy) em “Mulan” (1998).

Mesmo a história, apesar de genérica e derivativa, entretém sem grandes estrebuchos. Não tem a densidade emocional ou o esplendor visual de um projeto como “Coco” (2017), que lida de outro ponto de vista com a morte e com o processo de luto. Contudo, a comunicação do núcleo temático da narrativa é apreciável e percetível: sermos capazes de ultrapassar a tragédia e seguir em frente, por muito que a dor apodere.

Bernardo Freire

Rating: 2 out of 4.

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