Depois de 12 anos de trabalho, esforço e dedicação, os alunos chineses têm de fazer um exame denominado Gaokao – cuja duração é de 9 horas, faseadas em dois dias. A pontuação neste, determina se o estudante conseguirá ou não entrar na faculdade desejada. É o único meio de prosseguir para no ensino superior. Em consequência, a prova é vista como um acontecimento determinante, sendo o sucesso ou insucesso causa de altivo julgamento social. Por um lado, o futuro dos jovens fica em check, por outro, a saúde económica de milhões de famílias por toda a República pode ser posta à prova.
Este é o pano de fundo de “Better Days” (do título original “Shaonian de ni“), adaptado do romance adolescente “In His Youth, In Her Beauty“, do autor Jiuyue Xi. No filme, o cineasta chinês Derek Tsang emparelha a temática do bullying com uma terna história de amor.
A cara feminina é Chen Nian (Dongyu Zhou). Uma estudante empenhada, pobre e com uma mãe solteira endividada, que tem como único objetivo estudar para o infame Gaokao. Um dia na escola, uma colega de turma atormentada suicida-se num salto mortal. A simpatia de Nian fá-la ir cobrir o corpo imóvel no chão com um casaco, distinguindo-a do comportamento grupal: tirar fotos; filmar e reunir em admiração. Isto faz com que ela seja a próxima vítima de intimidação física e psicológica.
Ao bom estilo de um filme de terror, a jovem começa a ser perseguida e assediada por três colegas mal-intencionadas. A era digital amplia o receio e dissemina a informação malévola conforme o ritmo dos clicks. Conseguirá Nian concentrar-se nos estudos e superar a prova? Eis que surge a coroa, a outra face da moeda, na forma de Xiao Bei (Jackson Yee). Um rufia de rua que aguenta e dá pancada à Lagardère. Juntos, formam uma dinâmica de protegida e guarda-costas, que gradualmente se desenvolve para terrenos mais íntimos.

Não é novidade de que um punhado de países orientais tem enraizada uma cultura de disciplina e rigidez com o fim último de atingir a excelência individual. As consequências, por vezes, são letais. O retrato incisivo do filme no que diz respeito à incitação da competição desmedida, bullying e suicídio levou o Governo Chinês a censurá-lo inicialmente. Não fica bem na fotografia saber que além da ansiedade natural da contagem decrescente até ao grande dia, é adicionada aos alunos esta carga de problemáticas. Uma equação que leva o espetador a ansiar que os pequenos cidadãos – tal como as personagens – enfrentem dias melhores.
Na comédia de suspense do tailandês Nattawut Poonpiriya, “Bad Genius” (2017), a experiência nervosa do momento de exames semelhantes é espelhada por imagens tensas e estilizadas. Já no que diz respeito a “Better Days”, o enfoque da narrativa está no trajeto turbulento até ao teste. Contudo, o segundo ato começa a incorporar momentos próprios de melodrama, à medida que a investigação policial relacionada com o evento trágico inicial avança.
Lágrimas escorrem com frequência pelas faces das personagens, não fosse esta uma película de apegos e separações, de verdades e mentiras. Mesmo quando algumas cenas de maior exagero sentimental inundam o terceiro ato, o núcleo emocional da narrativa é compensado pela composição musical evocativa de Varqa Buehrer.

Estes elementos não soam inteiramente estranhos ao cinema de Tsang. Em 2016 realizara com distinção “Soulmate“, com igual contributo e entrega de Dongyu Zhou, uma das atrizes chinesas mais interessantes dos nossos tempos. Ao contracenar com Jackson Yee neste “Better Days”, a intérprete volta a demonstrar um alcance tremendo e dotes dramáticos que prometem voltar a comover-me no futuro. É através da sua perspetiva que absorvemos estes temas delicados e, por vezes, difíceis de digerir. São recorrentes os close-ups intensos na sua face, e nas dos restantes personagens, opção artística que contribui para que se estabeleça uma relação mais próxima entre o objeto filmado e quem o observa.
Apesar de por vezes ameaçar um caráter palestrante, “Better Days” raramente tropeça nessa pedra, revelando-se por seu turno um drama de consciência social admirável. Não reinventa a roda de maneira nenhuma, mas executa com pertinência uma história que funciona quer no texto como no subtexto, mantendo-se interessante ao longo do enredo, com pequenas surpresas que alegram o caminho. Estaremos, enquanto sociedade, na direção certa? Os créditos finais apontam razões para termos pensamentos positivos, ainda que os sentimentos com que abandonamos o filme não deem azo para grandes sorrisos.
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