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Émile Zola (1840-1902) é um dos grandes expoentes da literatura francesa do século XIX. “Germinal” (Abril Cultural, 1979, 535 páginas), publicado em 1881, é considerado por muitos críticos literários a sua obra mais importante. Dividido em sete partes, o livro caracteriza-se por uma linguagem mais hermética, retratando a vida de mineiros numa região rural de França. O traço mais elementar da narrativa é descrever o cenário do ponto de vista do trabalhador, retratando amiúde a miséria do proletariado em detrimento do bom viver burguês. Nota-se aqui uma descrição romanceada daquilo que era tratado sociológica e economicamente pelo filósofo Karl Marx (1818-1883).

Marx bem poderia ser o líder sindical Pluchart, orador nato que percorre a Europa propagando os ideais da Organização Internacional dos Trabalhadores. O personagem principal de “Germinal” é Etienne Lantier, um jovem forasteiro sem eira nem beira que consegue um trabalho em Montsu, na vila mineradora. Aos poucos, o seu trabalho torna-se uma rotina massacrante, observando com repugnância o escarro preto de carvão do velho Boa Morte e a saúde fragilizada daqueles que ficam imersos nas minas, sem verem a luz do sol, alguns com turnos cada vez mais longos.

A pauperização dessa gente incomoda Etienne, um rapaz vigoroso que, a duras penas, consegue ter uma formação intelectual sofrível, sendo um panfletário dos direitos dos trabalhadores em detrimento à exploração pelos seus patrões. O seu intelecto funciona de modo parcial, sectário. Um dos seus interlocutores é Suvarin, trabalhador indiferente que prega a anarquia propagada por Bakunin (1814-1876). Para os anarquistas, a luta dos futuros socialistas estava destinada ao fracasso, uma vez que eram as instituições sociais que deveriam ser extirpadas na sua raiz.

Émile Zola

“Germinal” é o germe, é a semente de trabalhadores plantados debaixo da terra, sendo que a entrada de cada mina de exploração é definida por Zola como “um buraco que engole gente“. Essa ideia é repetitiva no desenrolar do romance. Aos poucos, Etienne torna-se porta-voz dessa gente miserável e, com apoio de Pluchart, deflagra uma greve que se desenrola com muita violência, de parte a parte, sendo que os dias parados de trabalho se transformam em dias sem pão. Um horror a morte por inanição de uma filha da senhora Maheu, descrita passo a passo num calvário.

O confronto entre trabalhadores grevistas e os gendarmes retrata o caos de uma greve sem comando, sem querer é a anarquia que toma conta da turba esfomeada. A caracterização dos mineiros é forte, o realismo de Zola é notório e ao longo de toda da leitura pressentimos a falta de comida, o frio oriundo da falta de carvão para aquecer os casebres, verdadeiras pocilgas. Enfim, uma narrativa lastimosa.

Outro aspeto interessante é a constatação do pouco desenvolvimento urbanístico, mesmo em Paris, citada amiúde como o grande centro capitalista da trama, embora distante. Com um olhar agudo e crítico, Émile Zola faz uma radiografia fiel do espectro do bom burguês. Como na passagem em que o senhor Hennebeau, que ao ver confirmada a traição despudorada da esposa, com o próprio sobrinho, questiona-se se não seria preferível satisfazer as suas necessidades sexuais com aquela gente ordinária, os seus subordinados mineiros. A burguesia realmente tem disso: trata o prestígio e o status como se fossem apetrechos sem os quais não podem viver sem. Daí a hipocrisia, o jogo de cena, a derrocada dos desgraçados e dos esfomeados de espírito.

Aos olhos de Etienne, nada perturba mais do que a culpa por ter lutado em vão, uma vez que a multidão é maleável e volúvel como folhas de árvores no vendaval. Do fundo da mina nascerá uma casta de homens livres e fraternos? Uma boa resposta é começarem a ler o germinal livro. Vale a pena.

Fotografia de Marcelo Pereira Rodrigues ao mausoléu de Émile Zola

Outros livros de Zola, e os quais espero tratar aqui em resenhas futuras, são: “Contos para Ninon” (1864); “A Confissão de Claude” (1865); “Desejo de uma Morta” (1865); “Teresa Raquin” (1867); “A Fortuna dos Rougon” (1871); “Naná” (1880); “A Besta Humana” (1890); “A Taberna” (1877) e “O Doutor Pascal” (1893).

“Germinal” teve uma adaptação épica para o cinema, e espero tratar disso noutra ocasião também.

Deixo um trecho da obra:

Enquanto olhava, sentiu que o sangue fluía novamente no seu coração. Se os operários estavam passando fome, a companhia estava a deixar de ganhar os seus milhões. Porque havia de ser ela a mais forte nesta guerra do trabalho contra o dinheiro? Se ela vencesse, a vitória lhe custaria caro; depois ver-se-ia quem perdera mais. Ressurgia nele a sede de batalha, o desejo feroz de acabar com a miséria, mesmo que para isso tivesse de dar a vida. Era melhor que a aldeia sucumbisse toda junta, em vez de estar a morrer aos poucos, de fome e de injustiça.

As leituras mal digeridas voltavam-lhe à mente, exemplos de povos que tinham incendiado as suas cidades para deter o inimigo, histórias nebulosas onde as mães salvavam os seus filhos da escravidão esmigalhando as suas cabeças contra as pedras, onde os homens morriam de inanição para não comer o pão dos tiranos. Tudo isso arrebatava-o, uma alegria vermelha emergia da sua crise de negra tristeza, espantando a dúvida, envergonhando-o daquela vacilação passageira.

E, nesse despertar da fé, o orgulho surgia, carregando-o em suas asas; era a alegria de ser o chefe, de se ver obedecido até ao sacrifício, o sonho cada vez maior de poder, a noite do triunfo. Já imaginava uma cena de uma grandeza simples, a sua não aceitação do poder, a autoridade entregue às mãos do povo, quando ele fosse o vencedor…

Marcelo Pereira Rodrigues

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