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Antes de mais nada, quero agradecer aos leitores do Barrete pela enorme repercussão advinda do meu artigo sobre o livro “Minha Luta“, de Adolf Hitler. Não é indiferença minha, apenas não tenho tempo para responder a todos os meus leitores, mas quero ressaltar a correção feita por um que me corrigiu um erro de informação. Diogo Passos intermediou essa correção.

Não é esquentar matéria polémica, mas retorno a Hitler para discorrer sobre um excelente livro de humor, escrito por Timur Vermes, que é ghost-writer e que escreveu para jornais e revistas alemãs. Filho de mãe alemã e pai imigrante húngaro, nasceu em Nuremberga em 1967 e “Ele Está de Volta” é o seu primeiro romance.

Lançado no Brasil pela Editora Intrínseca, com as suas 300 páginas, a história é surreal: em 2011, num terreno baldio de Berlim, Adolf Hitler ressuscita e se espanta com a Alemanha moderna. O seu primeiro contato é com três garotos que jogam futebol e que deixam a bola cair perto dele, um deles vestindo a camisa portuguesa do Cristiano Ronaldo. O modo de Hitler se dirigir à criança é engraçado: “Camarada Ronaldo”. Com torpor dirige-se a uma banca de jornais e fica abismado ao ler a data e o ano em questão: 2011. Ele não sabe exatamente o que aconteceu, e todos com os quais trava diálogos acredita que ele é um ator que representa o Führer.

O escritor alemão Timur Vermes

Consegue um abrigo temporário na banca de jornais e vai se irritando com a enorme miscigenação que está presente agora no seu país: na lavandaria em que vai lavar o seu sujo uniforme, incluindo a cueca, não consegue comunicar direito com uma muçulmana. Os jornais turcos e poloneses compõem também a banca e ele fica surpreendido pela não prevalência alemã ariana. E o que dizer quando fica a saber que o país agora é governado por uma mulher, a sem empatia Angela Merkel?

Um fracassado jornalista de televisão descobre aquele “ator” e com a ajuda do jornaleiro, consegue convencê-lo a gravar um documentário. Com o carro emprestado da sua mãe, que inclusive lhe empresta dinheiro, o repórter empreende uma tournée onde o “ator” e ele vão entrevistando as pessoas. Claro que todas acreditam ser Hitler um ator e não o próprio. Ao longo da trama, piadas politicamente incorretas contra as minorias revelam a mais pura e cristalina xenofobia.

Quando é apresentado a um aparelho de televisão, é que a sua perceção atinge o auge da estupefação: como pode um país que se pretende sério exibir programas e programas de culinária, irritando-se com os canais de informação que quase levam o espectador a um AVC (Acidente Vascular Cerebral) pois, para além da notícia em si, tem que ler as pequenas letras abaixo, tudo numa cacofonia só. Realmente, o Führer está a ficar irritado.

O documentário com Hitler ganha o YouTube e todos só comentam aquele ator que se assemelha muito com o próprio, todos intrigados pelo facto de ele não sair da pele nunca. Nada mais natural que a televisão convencional convide Hitler e o seu fracassado jornalista, agora alçado à condição de agente, a comporem o horário nobre da mesma. Isso dá-se, e as primeiras impressões de Hitler são corrosivas, cito:

O grande público do Sr. Wisgur garantia-me também uma grande audiência. Além disso, eu podia ficar tranquilo, pois, pela natureza daquelas piadas, o público era composto em grande parte pelo povo alemão. Não que os espectadores alemães tivessem uma consciência nacional especial, infelizmente, mas porque os turcos são um povo simples, orgulhoso, que gosta de observar a farsa autêntica, interpretada por todo tipo de palhaço, mas não gostam de ser doutrinados ou escarnecidos pelos seus antigos compatriotas emigrados. Para os turcos é essencial ter a todo momento a atenção e o respeito daqueles ao seu redor – o que, é claro, é incompatível com o papel de idiota.

Portanto, considero essa forma de humor tão superficial quanto patética. Quem tem ratazanas em casa não precisa de palhaços, mas de desinfestação. Porém, se isso parecia necessário, era preciso mostrar desde a primeira apresentação que um alemão autêntico não precisava da ajuda de assistentes para contar piadas sobre indivíduos de raças inferiores.

Oliver Masucci como Hitler no filme “Look Who’s Back” (“Er ist wieder da”)

E por aí a coisa vai, com o ditador desfiando a sua visão torpe do mundo. Chega a assassinar um cachorro e é este vídeo que irá abalar a credibilidade do comediante Hitler. A ver a banalidade de muitos programas de televisão nos dias atuais, não é de se espantar o sucesso e a polémica advinda daí.

Vale também a citação de uma notícia de jornal, estampada na página 163, cito:

Hitler maluco do YouTube

Fãs festejam as suas tiradas!

Toda a Alemanha se pergunta: isso ainda é humor?

No passado, ele assassinou milhões – hoje, milhões festejam no YouTube: em apresentações de mau gosto, um ‘comediante’ vestido de ‘Adolf Hitler’ agita o programa de Ali Wizgur, ‘Cara, Caramba’, com discursos bizarros contra os estrangeiros, as mulheres e a democracia. Os serviços de proteção à juventude, políticos e o Conselho Central Judaico estão horrorizados. Abaixo, segue uma amostra de sua ‘arte’:

‘Os turcos não criam cultura.’

‘Cem mil abortos ao ano é um índice inaceitável, pois, com isso, quatro divisões de soldados farão falta para nós na guerra no Oriente.’

‘Na prática, operações plásticas estéticas são profanações à raça.’

A agitação nazista traz más recordações aos alemães mais velhos. A aposentada Hilde W. (92), de Dormagen, comentou: ‘Isso é horrível. Esse homem já causou tanto mal!’ Os políticos mal conseguem acreditar no sucesso dele. O ministro Markus Soder, do Partido Social-Cristão, o CSU, comenta sobre o caso: ‘Loucura. Isso não tem nada a ver com humor!’ O especialista em saúde do Partido Social-Democrata, Karl Lauterbach, declarou ao BILD: ‘É um caso limite, ofensivo.’ A presidente do Partido Verde, Claudia Roth, disse: ‘Apavorante, eu sempre desligo a televisão quando o vejo.’ Dieter Graumann, presidente do Conselho Central Judaico: ‘Isso é de um mau gosto inacreditável. Estamos a pensar em denunciá-lo.’

O mais bizarro ainda é que ninguém conhece o nome verdadeiro desse ‘comediante’, que tem uma semelhança assustadora com o monstro nazista.

Para descobrir mais informações, o BILD entrevistou a chefe da MyTV, Elke Fahrendonk:

BILD: O que tem isso a haver com sátiras e com humor?

Fahrendonk: Hitler revela contradições extremas da nossa sociedade, por isso, o seu tipo polarizante ao extremo é artisticamente justificado.

BILD: Por que o Hitler maluco da TV não revela o seu nome verdadeiro?

Fahrendonk: Não é diferente com Atze Schroder. Ele também tem direito à privacidade.

O BILD promete ficar de olho“.

Inadvertidamente, passeando pelo YouTube, assisti ao filme homónimo, do realizador David Wnendt, com Oliver Masucci, Christoph Maria Herbst e Fabian Busch, com 1h56. O interessante é que durante as filmagens algumas pessoas não perceberam que estavam a ser documentadas, tanto é que a tradicional tarja preta nos olhos é utilizada e imagens ofuscadas são apresentadas como produto final.

Aliando ao excelente livro e ao filme, por mais cómico que sejam, percebemos que existe ainda um ranço contra imigrantes, que parcela da sociedade alemã, por mais multicultural e aberta que se mostre hoje, ainda guarda resquícios de um passado deplorável que levou o país à derrocada e alguns insistem em ignorar este facto.

O design de capa do livro é sensacional: numa página em branco, o bigodinho a la Hitler indica o nome, sem rosto, apenas uma franja negra de cabelo. Uma das mais bonitas capas que vi.

Marcelo Pereira Rodrigues

Rating: 3 out of 4.

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