Fundado por João Palhares e José Oliveira, e situado no centro da cidade de Braga, o Cineclube “Lucky Star”, que tem como principal objetivo ser um ponto de encontro entre todos os que gostam de cinema e aqueles que o pretendem vir a descobrir e alargar horizontes, foi entrevistado pelo Barrete. Os intervenientes são José Amaro, presidente da iniciativa, e João Palhares, o vice-presidente.
O “Lucky Star” nasceu em 2016. Como foi possível criar o Cineclube? Como é que tudo começou?
R: Começou tudo com a tentativa de realizar um curso de cinema sobre a obra de John Carpenter no espaço TOCA, no Bragashopping, ainda em 2015. Pelo que me lembro não houve inscritos suficientes e, portanto, canalizou-se esse trabalho de preparação todo para algumas sessões do cineclube, usando-se esse espaço no Bragashopping para as primeiras quatro sessões. Os convidados para esse curso (Felipe Medeiros, Bruno Andrade, Luís Miguel Oliveira) foram todos convidados virtuais ou presenciais do cineclube, mais à frente. O Luís Miguel Oliveira esteve mesmo em Braga numa sessão de “A Última Valsa” do Martin Scorsese, no ano seguinte.
Foi possível criar o cineclube porque na altura se aceitou que não se ia ganhar dinheiro nenhum, pelo menos por uns tempos. E temos de agradecer às nossas famílias, aos nossos primeiros sócios e aos nossos amigos, por viabilizarem isso. Foram dois anos em que se escreveu, traduziu legendas, arranjou filmes e preparou sessões praticamente todas as semanas, amealhando dinheiro das quotas para pagar impressões, viagens a convidados, também para se ir a Madrid falar com o Miguel Marías, por exemplo…
Lembro-me de uma folha de sala que se escreveu depois de se vir de Espanha com o restinho de uma bateria do computador, num autocarro, do qual se saiu para ir buscar um convidado de carro à estação de comboios, em Braga. Em 2017, formalizaram-se os apoios do ICA e da Câmara Municipal e começou a segunda fase do nosso cineclube. Mais “certinha”, digamos. (João Palhares)

O nome é bastante sugestivo. De onde surgiu esta ideia?
R: “Lucky Star” é o nome de um belíssimo filme de Frank Borzage estreado em 1929. Acreditou-se estar perdido durante décadas até ser reencontrado no final dos anos 80, na Holanda. Enfim, foi como que só por milagre esse filme cheio de milagres pudesse chegar até nós. Mas a ideia de dar esse nome a um cineclube foi do cineasta Pedro Costa, que esteve presente na primeira sessão no Bragashopping com uma curta-metragem sua (“O Nosso Homem“) e um filme de Charles Chaplin (“O Barba Azul“), e é desde essa altura sócio honorário da nossa associação.
O nosso logo é a silhueta de um abraço entre Janet Gaynor e Charles Farrell nesse filme. Lançámos um livro que tem como capa essa cena, precisamente. Na sessão que dedicámos ao filme, em 2017, escrevemos duas folhas de sala e convidámos três pessoas para falar sobre o filme e sobre Borzage, em vídeo: Chris Fujiwara, Miguel Marías e Cauby Monteiro. (João Palhares)
Quais diriam que são os maiores valores do Cineclube? Que mensagem consegue promover e dinamizar com maior criatividade?
R: Não sei se “valores” é uma boa palavra, porque talvez nos leve para os terrenos filosóficos e perigosos da ética e da moral. Mas o que nos tem distinguido como cineclube, penso eu, e o que nos tem dado verdadeiro gozo fazer desde a primeira hora é escrever as nossas próprias folhas de sala, às vezes convidar – nem sempre dá – alguém para contextualizar o realizador e a obra ao público. Temos um canal do YouTube com diversas apresentações publicadas, e de pessoas tão importantes como Tag Gallagher, Pierre Rissient ou Bernard Eisenschitz, que nos ofereceram testemunhos extraordinários.
Também vamos publicando as nossas folhas de sala, portanto em teoria é possível seguir a programação quase de qualquer sítio do mundo com essas ferramentas virtuais. Já recebemos algum feedback nesse sentido, e apesar de tentarmos privilegiar a experiência presencial, com os nossos espectadores regulares, os visitantes de uma ou várias sessões e outros companheiros de estrada, ficamos muito contentes por saber que o nosso trabalho também é acompanhado fora da cidade de Braga e fora de Portugal.
Outra coisa que tentamos sempre fazer, por sabermos como funciona o mundo da produção e da distribuição em Portugal, é mostrar cinema que seja pouco exibido e passe tanto à margem do circuito comercial como do circuito cultural institucional.
Por sabermos que há quem desista do cinema por embater contra esse muro de indiferença, por não ter as mesmas oportunidades que outros, por realizar obras “incatalogáveis”, por incomodar ou por mil e uma outras razões, ficamos sempre do lado do João Rodrigues, do Tiago Costa, do Luís Alves de Matos, do Mário Fernandes, da Joana Torgal e do Rodolfo Pimenta, para falar do que já exibimos, e do Hiroatsu Suzuki, da Rossana Torres, do José Oliveira, da Marta Ramos, da Manuela Serra, falando agora do que queremos exibir no futuro. (João Palhares)

O vosso plano para 2021 toca em aspetos cinematograficamente bastante distintos e pertinentes, desde o movimento “Cinema Novo” já em janeiro, à peste, à televisão, à ruralidade, a Jim Jarmusch, a Éric Rohmer, entre outros. Este plano é bastante ousado. Como é que chegaram até ele?
R: Desde o início da sua existência, o cineclube tem a ambição de cruzar motivações, estéticas, idades, e, como é o caso do ciclo “Yersinia pestis”, mais ligado aos tempos que vivemos. Fazemos questão de evitar ausências, preenchendo todas as semanas do ano com programação, procurando um fio condutor em cada ciclo. Nem sempre é possível cumprir os planos, mas quando não é, redobramos os esforços para compensar esse não cumprimento com alternativas que, na nossa opinião, não baixam as expectativas do público.
A forma como chegamos a este plano é a do costume que é a que decorre da discussão do mesmo em sede da direção do cineclube. Este ano, desta discussão saiu uma diretriz que vai no sentido de alargar o “voto” dos novos planos aos sócios e até aos amigos. Mas este, como qualquer outro plano, tem sempre como matriz algumas linhas mestras como, por exemplo: cinema português; a história do cinema; as novas linguagens. (José Amaro)
Em que consiste a vossa parceria com os “Encontros da Imagem”?
R: O Carlos Fontes abordou-nos em 2018 para a preparação de um ciclo de cinema associado aos Encontros da Imagem e ao tema desse ano, “O Belo e a Consolação”. Nós respondemos com uma homenagem a Robby Müller, diretor de fotografia que tinha falecido nesse ano, e um conjunto de filmes de Wim Wenders, Peter Handke, Roberto Rossellini, Luís Alves de Matos, que esteve presente na sessão, Fernando Lopes e Mário Fernandes, que também esteve presente.
Para nós é sempre uma ótima oportunidade para pôr o antigo e o novo em diálogo, como fizemos este ano sob a égide do tema “Génesis” com as vanguardas russas e francesas e a grande pérola e obra-prima do cinema que é “Wolfram, a Saliva do Lobo” (2010) de Joana Torgal e Rodolfo Pimenta. Só temos a agradecer essa oportunidade à organização dos Encontros e esperar que se continue com estes ciclos. (João Palhares)

De que forma é que a divulgação do cinema nas escolas tem sido fundamental para o Cineclube se expandir e para os alunos se desenvolverem enquanto apreciadores de cinema?
R: Esta nova vertente que o cineclube quis abraçar é muito importante. A verdade é que a nossa afirmação enquanto amantes do cinema, passa pela sua divulgação e promoção. Fazê-lo nas escolas, se possível em coordenação com o Plano Nacional de Cinema, junto do público mais jovem é fazer despertar o interesse em quem o pode ajudar a perpetuar. É natural que, em face de tanta oferta e muito mais à mão, como tudo o que gravita à volta da internet, as escolas são um meio excelente para este despertar.
É uma via recente na nossa atividade e queremos continuar a apostar nela, no modelo recentemente levado a cabo a convite da Escola Secundária de Vila Verde, porque, a cultura artística é uma importante ferramenta na transmissão de ideias logo, no desenvolvimento intelectual. É assim na leitura, no teatro e noutras áreas da cultura, é assim no cinema.
Claro que esta nossa atividade não pretenderá, nunca, substituir a supervisão pedagógica. Essa será sempre da responsabilidade dos professores, nomeadamente daqueles que coorganizarem estes eventos connosco. (José Amaro)
A pandemia veio atrasar o mundo em geral e impossibilitar muitos projetos. O que têm em mente quando a situação estiver mais regularizada?
R: É verdade que a pandemia nos afetou a atividade, nomeadamente no tempo do confinamento. Mesmo assim marcamos presença online proporcionando a disponibilização de uma seleção abundante de filmes aos nossos seguidores no Facebook.
À exceção das medidas de segurança e, naturalmente, no respeito por todas as normas da DGS, nós estamos a trabalhar o futuro como se não houvesse pandemia embora, a todo o tempo, possamos corrigir a rota, mas sem nos ausentarmos totalmente. (José Amaro)
Que apelo fazem ao público em geral, e em especial aos mais jovens, para desenvolverem de forma mais saudável a sua experiência com o cinema?
R: À parte estes tempos de pandemia, os jovens têm no cinema um meio de sociabilidade. O que pretendemos é que esta sociabilidade seja enriquecida pela cultura artística que o cinema pode trazer-lhes. É neste alinhamento que ambicionamos o contacto mais assíduo com os que fazem o cinema, quer por trás das câmaras de filmar, quer pelos artistas.
Foi também no sentido de aprendermos como melhorar o apelo aos jovens que trouxemos para a direção gente muito nova que nos tem aportado novas ideias e um novo público às sessões ou seja, um público jovem. Vamos apreendendo a comunicar melhor. (José Amaro)
Definam o cineclube numa palavra.
R: Não somos muito originais: seja “cinema”.
Contactos
Site: http://luckystarcine.blogspot.pt/
E-mail: luckystar.braga@gmail.com
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