No passado mês de Junho tive a oportunidade de escrever para OBarrete um extenso artigo, dividido em três partes (Parte 1; Parte 2; Parte 3), sobre esta figura ímpar da musica contemporânea que foi Prince. O objetivo desse trabalho foi dar a conhecer com mais pormenor o artista, a sua obra e o legado para as gerações vindouras. Não seria por isso possível analisar à lupa todo o trabalho editado pelo artista, pois falamos de trinta e nove obras creditadas ao longo da sua carreira, para além de muito material que aos poucos o famoso “The Vault” nos vai dando a conhecer.
O comum dos apreciadores de Prince tem presente a sua discografia mais divulgada (comercial, se assim quiserem chamar), na qual se incluem os temas que ao longo do tempo nos fomos habituando a ouvir e que tomamos como a referência do artista. No entanto, e como já tive oportunidade de referir no anterior artigo, Prince vai muito para além disso e revelou-se como um criativo praticamente sem limites! Nas suas raízes, para além do pop, funk, R&B ou rock, estão ritmos bastante abrangentes e dos quais destaco claramente o jazz fusion, numa variante progressiva e de alguma forma inovadora.
É pois com base nesta premissa que vos trago uma análise mais aprofundada sobre dois trabalhos do artista que são, provavelmente, (muito) menos conhecidos pela generalidade dos melómanos e não melómanos que apreciam boa musica. São eles “Xpectation” e “N.E.W.S“, editados ambos no ano de 2003, o primeiro no dia 1 de Janeiro e é o vigésimo sexto trabalho de Prince, o segundo no dia 26 de Maio sendo o seu vigésimo sétimo trabalho. Ambos com assinatura da NPG Records.
“Xpectation” constitui o primeiro trabalho instrumental editado em nome próprio por Prince e conta com a colaboração de apenas quatro músicos para além do próprio Prince, o magnifico John Blackwell na bateria, Rhonda Smith no baixo, Candy Dulfer no saxofone e a conhecida Vanessa Mae no violino. Prince assume os teclados e a guitarra, para além de produzir o trabalho. Todos os temas do álbum começam por X, Xhalation, Xcogitale, Xemplify, etc., e revelam-nos uma abordagem sonora ao universo imaginativo que Prince tinha à volta do jazz fusion e das “brincadeiras” que são possíveis de fazer à volta do mesmo.
Não podemos esquecer as celebres “Jazz Funk Sessions” datadas do já longínquo ano de 1977 em que Prince dava aso às suas inspirações jazzísticas e de improviso, demonstrando uma enorme apetência para o género. Ao longo deste trabalho, temos oportunidade de desfrutar de uma variada paleta de sons que nos transporta para uma audição envolvente e imaginativa. Prince dispõe os músicos ao longo dos temas de forma equitativa e equilibrada, dando-nos a oportunidade de sentir o que de melhor cada um tem, incluindo o próprio.
A harmonia encontrada pelo artista neste conjunto instrumental está bem evidente em praticamente todos os temas e é difícil ouvir apenas uma vez, dando vontade de repetir uma e outra vez. Não posso deixar de destacar a harmonia e a beleza dos primeiros dois minutos deste álbum no tema Xhalation, dando vontade de ouvir em loop sem nunca acabar…
Trata-se, definitivamente, de um trabalho incontornável no legado de Prince, de audição imprescindível e obrigatória.
“N.E.W.S” é editado a seguir a “Xpectation” e o artista traz-nos a reencarnação do seu antigo projeto Madhouse com o musico Eric Leeds, agora em nome individual, e com a colaboração de músicos dos The New Power Generation, novamente com John Blackwell na bateria e Rhonda Smith no baixo, Renato Neto no piano e sintetizadores, Eric Leeds nos saxofones tenor e barítono e Prince na guitarra, teclados digitais e percussão, para além da produção e mistura. Este é um trabalho em substância bastante diverso do anterior, mantendo-se apenas como instrumental.
A abordagem de Prince a este trabalho é mais técnica, explorando sons e texturas de maior amplitude. Os quatro temas que o compõem têm uma duração de 14 minutos cada e foram batizados com os quatro polos terrestres, North, East, West e South. A gravação deste álbum durou apenas um dia e parte foi feita com improvisação. Ainda que a critica não tenha aceite muito bem este trabalho na época, parece-me bastante injusto desprezar este exercício de criatividade de um artista que tinha a necessidade absoluta de transpor para um suporte de gravação os seus sentimentos e formas de estar.
Também aqui Prince dá um vasto espaço de manobra aos músicos que com ele trabalham, permitindo momentos de excelente harmonia e cadência ao longo dos quatro temas. Embora em continuidade, estes são distintos uns dos outros, procurando o artista encontrar sons e texturas que se identificam com as quatro regiões terrestres (tomando o local onde se encontrava como centro destas).

Reconhecendo que este trabalho exige mais do ouvinte, quer por uma questão de gosto, quer por uma questão de identificação com o artista, penso que merece uma audição atenta e despida de preconceitos. É uma porta aberta a novas experiências auditivas e isso não tem que ser forçosamente mau, podendo mesmo revelar-se uma agradável surpresa! Recomendo vivamente a sua audição, sem reservas.
Ambos os trabalhos não estão, infelizmente, disponíveis em suporte físico de audição pois já à data do seu lançamento foram disponibilizados apenas para os subscritores do NPG Music Club e em número muito reduzido em suporte auditivo. É possível ouvi-los nas plataformas Tidal ou YouTube.
Para quem está aberto a novas experiências musicais, ou que queira conhecer o outro lado de Prince Rogers Nelson, deixo aqui estas duas excelentes sugestões. Estou certo que, mesmo não sendo unânime, irão apreciar o momento e encontrar aqui uma nova imagem deste criativo que ainda hoje, depois da sua morte, não pára de nos surpreender.
Bons sons.
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