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Porque A Arte Somos Nós

Este é o último de três capítulos, antecedido por “O Homem” e “A Obra

O Legado

O legado deixado por uma figura com a dimensão de Prince é praticamente imensurável, tal a capacidade criativa que o artista demonstrava. Para além do trabalho registado em estúdio e editado, o artista produziu uma imensidade de obras que até hoje não foram publicadas por várias razões. Ao longo da sua carreira esteve envolvido em vários projetos, maior parte deles de sua autoria, que por uma ou outra razão não se materializaram.

Dono de uma capacidade criativa acima da média, Prince mostrou uma evolução ao longo da sua carreira que se traduzia na experimentação de novas sonoridades e ritmos, novas texturas e sensações. Transversal à sua carreira são os ritmos funk, soul e R&B, mas não deixou de se expressar em áreas tão diversas que iam desde o rock, pop, synth-pop ao jazz e à sua vertente de fusão.

Inspirado em enumeras referências, Prince teve em Miles Davis a sua referência maior e terá tido um dos pontos mais altos da sua carreira quando partilhou o palco com este no dia 31 de Dezembro de 1987, no âmbito de um concerto de caridade organizado por Prince em Paisley Park. Miles Davis chegou a considerar que Prince podia ser um novo Duke Ellington. Para além de Davis, o artista procurou inspiração em figuras como James Brown, Duke Ellington, Jimi Hendrix, The Beatles, Chuck Berry, David Bowie, Little Richard, Elvis Presley, Rick James e muitos outros.

Assim como foi influenciado por grandes nomes da história da música, influenciou inúmeros músicos contemporâneos que nele viram a originalidade e a capacidade criadora. Entre eles estão músicos como Alicia Keys, Lady Gaga, Lenny Kravitz, Beyoncé, Beck e muitos outros. Escreveu muitos temas para outros artistas, utilizando muitas vezes pseudónimos nos créditos. Mas mais que tudo, marcou um estilo, uma maneira de estar única que dificilmente outros conseguiram imitar.

Dono de um domínio natural de inúmeros instrumentos tinha capacidade para criar, produzir e misturar trabalhos de forma completamente autónoma. Não é possível esquecer o facto de no seu primeiro trabalho (“For You”, 1978), ter sido um self made man ao tocar 27 instrumentos! No entanto, para a história fica o seu virtuosismo com a guitarra, da qual era praticamente inseparável. Não é possível dissociar Prince das suas inigualáveis “Cloud Guitars” em amarelo, branco e roxo, ou a sua guitarra “The Love Symbol” em roxo e dourado (o artista utilizou guitarras HS Anderson Madcat).

“The Love Symbol”
“Cloud”

Nunca deixou de elevar os músicos que com ele trabalhavam e dava uma especial atenção ao papel das mulheres na música, tendo-se feito acompanhar por dezenas delas ao longo da sua carreira. Embora fosse ele o centro das atenções, valorizava o desempenho dos que com ele partilhavam os palcos e dava sempre oportunidade a que todos brilhassem nas suas atuações. Era efetivamente um músico íntegro e demonstrava-o bem. O que era bom para ele, era bom para os que o rodeavam.

Relativamente à obra por ele criada, é quase impossível destacar um álbum ou um tema especifico, no entanto, é consensual que “Purple Rain” marca a sua carreira como o seu álbum de maior sucesso. Pessoalmente, destacaria também “For You”, “1999”, “Lovesexy” e “Emancipation”.

No que a temas diz respeito, não existe qualquer duvida que Kiss constitui o tema da vida de Prince, em conjunto com Purple Rain (não esquecendo Nothing Compares 2 U, eternizado na voz de Sinéad O’ Connor). No entanto, não se pense que tudo se esgota nestes, pois Prince deixou como legado uma paleta imensa de composições que podem satisfazer praticamente todos os gostos e feitios. É necessário dispensar algumas (muitas) horas para conhecer e compreender toda a sua vasta obra discográfica.

Prince foi também um influenciador no que à moda diz respeito. Dono de um gosto requintado, o artista utilizava a sua imagem como parte integrante do seu trabalho. Por vezes extravagante, seleto noutras, tinha sempre uma imagem muito cuidada. O seu sapato de tacão sempre marcou a sua imagem, quer fosse no seu dia-a-dia ou em palco. Não prescindia também de maquilhagem cuidada, gerando sempre uma figura nova em cada aparição perante os seus fãs. Como era seu hábito, criava guarda-roupas específicos nas diferentes fases dos seus trabalhos e sempre harmonizados com a sua imagem. A música e o visual que criava funcionavam como um só.

Prince ao vivo em 2014

Ao longo da sua carreira, Prince vendeu mais de 100 milhões de cópias dos seus trabalhos e ganhou sete Grammys, sete Brit Awards, seis American Music Awards, quatro MTV Video Music Awards, um Óscar e um Globo de Ouro. Três dos seus álbuns fazem parte da “Grammy Hall of Fame” (“1999”, “Purple Rain” e “Sign O’ The Times”) e tem o seu nome inscrito no “Rock and Roll Hall of Fame“, no “UK Music Hall of Fame” e no “R&B Music Hall of Fame”, para além de muitas outras distinções.

Realizou 29 tours ao longo da sua carreira, todas elas com bastante sucesso. Quando faleceu, tinha na estrada a “Piano & a Microphone Tour”, em que se apresentava praticamente a solo em palco. O último concerto aconteceu em Atlanta, nos Estados Unidos da América, a 14 de abril de 2016.

No cinema, para além do seu filme de estreia “Purple Rain” (1984), produzido por Albert Magnoli, Prince produziu e participou em mais quatro películas, “Under the Cherry Moon” (1986) onde assume o papel de Christopher Tracy, um gigolo ligado ao mundo do espetáculo (o filme foi um fiasco e ganhou cinco “Golden Raspberry Awards”, entre eles o de pior filme), produziu e participou como ele próprio em outros dois, “Sign O’ The Times” (1987) e “3 Chains O’ Gold” (1994), e participou também como The Kid no filme “Graffiti Bridge” (1990), considerado uma sequela de “Purple Rain”.

Em suma, estamos perante um super-dotado que dificilmente deixará de estar incluído na história da música. Tudo o que fez e produziu deixou uma marca, à excepção do cinema. Foi um homem com uma capacidade criativa muito acima da média. Lutou por ideais e pelos seus direitos como autor, principalmente com as editoras. Amou várias mulheres e foi pai por apenas um mês (o filho que teve com a sua primeira mulher, Mayte García, faleceu com síndrome de Pfeiffer ao fim de apenas um mês de vida).

Quando Prince venceu o Óscar em 1985 / Getty Images
Entrevista em 1999

Deixou para a posteridade “toneladas” de trabalho não editado que estava guardado no famoso “The Vault”, e que com o tempo nos virá a revelar muito mais do artista. Faleceu no dia 21 de Abril de 2016 na sua casa/estúdio, na sua cidade natal, Chanhassen, Minnesota, em circunstâncias ainda hoje um pouco estranhas. Vinha a lutar contra a dependência de opióides quando foi encontrado morto no elevador de sua casa, com uma overdose acidental de Fentanyl.

Foi um artista que deu tudo o que tinha pelo seu sonho respeitando os que o rodeavam, mostrando-nos que é possível ser maior.

Prince permanecerá para sempre vivo nas nossas vidas e nas daqueles que vierem a seguir, pois ‘Viveu para Amar’ (‘Live 4 Love’) através da sua música.

Jorge Gameiro

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