É impossível esquecer, ou até ignorar, a influência do grupo britânico Monty Python no cinema moderno, quer pelo seu humor quer pela construção/montagem muito peculiar das suas obras. Estamos em 1979 e na bagagem o grupo composto por Graham Chapman (1941-1989), John Clesse, Terry Gilliam, Eric Idle, Michael Palin e Terry Jones (1942-2020), já trazia consigo o mítico “Monty Python’s Flying Circus” (1969-1974) e a longa-metragem “Monty Python e o Cálice Sagrado” (1975). “A Vida de Brian” (título em português) traz-nos de novo o tema da religião, mas comparativamente ao seu antecessor, é um exercício mais bem conseguido.
A película é escrita pelo grupo e realizada por um dos seus membros, mais especificamente Terry Jones (que nos deixou este ano) e conta a história de Brian, um rapaz que nasceu no estábulo vizinho ao de Jesus de Nazaré. Como podem calcular, a certa altura Brian é confundido com o próprio Jesus, o Messias, e todo o desenrolar à volta desse engano é no mínimo de chorar a rir. Este último personagem é interpretado por Graham Chapman, a par que a mãe de Brian, uma senhora peculiar com os pés bastante assentes na Terra, é da responsabilidade de Terry Jones. Todos os membros do grupo interpretam pelo menos três personagens cada um ao longo da narrativa.
Recordamos que a Judeia estava sob o domínio do Império Romano, mais concretamente em 33 d.C., e foi precisamente para esse momento da nossa história que os Monty Python decidiram recuar. O espectador é confrontado com as rotinas à época, tais como as lutas, os profetas a declamar na via pública, os apedrejamentos e a crucificação. Classificar estas últimas como uma rotina é no mínimo irónico, mas a verdade é que existiram e constavam na Lei. Parte da genialidade da comédia passa por precisamente “gozar” com esse sofrimento, de forma a vermos algo depressivo com maior leveza, uma espécie de manipulação dos sentimentos. Verdade seja dita: os Monty Python eram mestres nessa arte.

Ao longo do filme temos momentos onde só uma pessoa com total falta de humor não se irá desatar a rir. Lembro a cena onde Brian e a sua mãe vão a um apedrejamento. Nestes “eventos” não eram permitidas mulheres, contudo, a grande maioria os atiradores de pedras eram… mulheres. Com uma barba comprada a escassos metros do local da ação, muitos são os seres do sexo feminino que estão na linha da frente prontos/as a atirar sobre o culpado. Com trocadilhos textuais, que por si só valem umas boas gargalhadas, toda a ação é hiperbolizada, como a pedra gigante que acaba em cima do “juiz” interpretado por John Clesse.
Numa passagem da obra, na qual Brian foge dos soldados romanos, este é capturado por uma nave extraterrestre e apanhado numa perseguição espacial. Uma cena relativamente curta, mas uma imagem de marca dos Python, que muitas vezes introduziam animações no mínimo descontextualizadas. Esta suite foi pensada e executada por Terry Gilliam, que refletia e realizava de uma forma um pouco distinta da de Jones.
Ambos haviam já sentido essa incompatibilidade atrás da câmara no projecto anterior, “Monty Python e o Cálice Sagrado”. Não esquecer que tudo isto só foi possível graças à empresa HandMade Films, do músico George Harrison, ex-Beatles. Dias antes do início das filmagens, a EMI Films “roeu a corda” e todo o projeto parecia ficar hipotecado, não fosse o amigo ex-guitarrista da banda de Liverpool.
Durante o filme, o tema satírico pretendido não era Jesus e os seus ensinamentos, mas sim o dogmatismo religioso, de acordo com as observações simultâneas da película e até pelas declarações dos próprios Monty Python. Uma sequência onde isso é notório é durante o Sermão na Montanha, ainda nos inícios da narrativa. Segundo Terry Jones, “A Vida de Brian” “não é blasfémia, mas heresia“. O grupo procura sempre dar uma leveza às críticas que faz, neste caso através do humor, mas o peso do seu significado está sempre presente. E seja dito, está muito bem conseguido.

Outra cena icónica na longa-metragem acontece quando Brian passa a ser visto como o Messias – o que despoleta esta crença é uma situação altamente dramática e ao mesmo tempo cómica, como ser obrigado a regatear em plena fuga, mudando assim o sentido narrativo – é confrontado com um grupo de seguidores, que repetem e veneram todas as ações e palavras proferidas pelo Salvador. A certo ponto Brian tem a seguinte afirmação: “Vocês entenderam tudo errado. Vocês não precisam de me seguir. Vocês não precisam de seguir ninguém. Vocês precisam de pensar por vocês mesmos. Vocês são todos indivíduos“. Ao qual a resposta é: “Sim. Somos todos indivíduos“.
De uma forma bastante simples e directa, os Monty Python invocam o sentido de “gado”, que transportado para o contexto histórico, transforma-se numa grande alfinetada à fé cega dos crentes na Igreja. Se refletirmos num campo mais filosófico, podemos dizer que Brian tem uma visão existencialista. Ele é honesto consigo mesmo e com os outros, vivendo uma vida autêntica da melhor forma possível. No entanto, Brian é demasiado ingénuo para ser chamado de herói com base nas ideias de Albert Camus, já que para este, a busca pelo sentido da própria vida ocorre num mundo profundamente sem sentido e obscuro. Esse lado mais negro não é muito explorado, deixando essa premissa para uma violência mais física e divertida.
Como não podia deixar de ser, a icónica Always Look on the Bright Side of Life fecha uma obra ainda hoje fresh, revelando que mesmo após todos os azares que nos possam acontecer, entre eles a crucificação (!), haverá sempre algo de bom na nossa vida para aproveitarmos. Independentemente das nossas frustrações, a esperança nunca nos deve abandonar, e essa é uma mensagem muito importante na comédia dos Monty Python, pois estes ensinam os espectadores e fãs de que tudo é passível de sátira (principalmente os temas mais sérios). Uns fazem-no melhor do que outros, e claramente “Life of Brian” está entre os filmes de comédia obrigatórios para qualquer cinéfilo que se prese.
Independentemente dos protestos das alas mais conservadoras e das acusações de blasfémia, “Life of Brian” foi um sucesso de bilheteira no Reino Unido e nos Estados Unidos da América, tendo mesmo o Channel 4, em 2006, considerado esta obra a n.º 1 na lista dos 50 Maiores Filmes de Comédia. Palavras para quê? É ver para crer.