Podem encontrar o segundo capítulo aqui!
Capítulo III
Não conseguia admirar nem mesmo a beleza daquela noite. Dando passos leves na grama fria e húmida, tentava aliviar sua alma ao assistir a lua crescente se despedindo da noite, desaparecendo atrás das Montanhas Noviças. O sol logo iria nascer. O céu já começara a se pintar de roxo com uns toques de laranja. Mesmo assim, ela não conseguia ter sono. Estava exausta. Contudo, toda vez que fechava os olhos, em uma tentativa desesperada de descansar, um estranho sentimento tomava posse de seu corpo, fazendo-a levantar em seguida. Era o medo. E, se tinha alguma coisa que Cíntia evitava com toda a sua alma, era sentir medo.
A guerreira estava, naquele momento, nos jardins do castelo, onde a nova folhagem começara a nascer juntamente com os botões de flores. O resto do gelo derretia-se lentamente, esfriando o denso ar. Geralmente, entrar em contato com a natureza e observar as mudanças das estações acalmava o coração da general, quando este estava nos seus dias mais aflitos. Mas, desta vez, não adiantou. Com um turbilhão de mensagens, Cíntia fechou os olhos e cerrou os dentes. Já não sabia mais o que fazer…
Voltou sua visão para a janela de Catarina. E se fosse até ela? A rainha já havia se mostrado muito mais que uma amiga para Cíntia. Era como se fosse da mesma família que ela. Lembrou-se de seu olhar carinhoso e piedoso, e de como sempre ficou do lado da guerreira em seus momentos mais difíceis. Sempre. Talvez ela pudesse ajudá-la a passar também por aquela situação desconcertante. Porém, quando a lembrança voltou a assombrar seus pensamentos, deu dois passos para trás e desistiu da ideia.
Não podia contar para ninguém! Em um momento como aquele, precisavam dela mais forte do que nunca. O golpe estava para acontecer. Ela exercia um cargo muito difícil de ser conquistado. Sem falar na liderança da guerra. Se falasse sobre isso, com toda certeza achariam que havia enlouquecido. Por um momento, ela mesma achou isso. Afinal, as visões que tivera… Não havia explicação para elas…
Estava tão confusa… Calafrios percorreram seu corpo, seus olhos se encheram d’água. “Afinal, o que aconteceu? Por que comigo?” Por mais que ela não quisesse pensar naquilo, era um fato que haveria de enfrentar. E, para enfrentá-lo, precisaria, acima de tudo, entendê-lo. O que era seu maior problema. Sentou-se em um banco, em frente dos botões de tulipas. Tinha que colocar sua cabeça em ordem. Começou, portanto, a refletir desde seu início.
Tudo havia começado na manhã do dia anterior. Após distribuir alimentos para os mais necessitados, Cíntia seguiu seu caminho rumo à Floresta dos Pinheiros, onde resolveria suas pendências antes de ir espionar o castelo. A névoa branca estava baixa, portanto, já conseguia ver os pedregulhos despontando em meio à grama verde, enquanto o sol da manhã iluminava o céu com tons de rosa e alaranjado. Era uma bela manhã de final de inverno, a guerreira tinha que concordar. E, bem como fazia, se permitiu apreciar a viagem, deixando sua alma percorrer levemente aquela trilha.
De repente, sentiu uma sensação estranha. Não tinha noção do que que era. Ficou apreensiva e olhou em volta. Não viu nada. Mesmo assim, continuou a trotar em seu cavalo, até que, em um determinado momento, este começou a ficar descontrolado. Como se experimentasse a mesma sensação que a general, ele começou a pular e a rodopiar. Ela não tinha noção do que estava acontecendo com ele. Tentou retomar o controle, todavia o cavalo foi mais forte. Ele a jogou para o alto, e ela caiu sentada no chão.
Uma fagulha de dor surgiu em seu quadril, e irradiou para sua coluna. Logo em seguida, percebeu que estava com as mãos e os pulsos ralados. Levantou-se desajeitadamente, impulsionada pela adrenalina. Um tremor percorreu seu corpo. A sensação não havia ido embora, e o cavalo continuava a pular e rodopiar no mesmo lugar. Foi cuidadosamente em sua direção, pegou as rédeas e fez um carinho em seu pescoço, sussurrando enquanto tentava sossega-lo:
— Calma, calma, garoto! — ao ver que sua atenção tranquilizara o cavalo, continuou repetindo: — Calma, calma!
Ouviu uma voz. Alguém a chamou. Não por seu nome, mas com um grunhido. Ela não entendeu muito bem como tinha conseguido identificar, entretanto, sentia isso em sua alma. Olhou ao redor, para ver se achava quem fizera o barulho. Entretanto, em sua volta, só havia gramas e pedras. Nada mais à vista. Com exceção de… “Não! É impossível!” Pois, além dela e do cavalo inquieto às suas costas, havia somente uma imensa floresta, rodeada pela escuridão. Um local assombrado, no qual ninguém ousaria entrar.
Acredita-se que, quando a Deusa-Mãe criou os cinco reinos, também criara locais sagrados de extremo poder para que ela pudesse governar. O primeiro local sagrado eram as Cinco Pedras, que ficava bem na divisa dos cinco reinos. Era de extrema importância, uma vez que ali eram realizados julgamentos e eventos religiosos. O segundo lugar era o Deserto das Alucinações, no interior de Ignis, onde se acreditava que a Deusa guardava todas as respostas. Uma tempestade de areia vedava sua entrada, para que ninguém pudesse entrar sem autorização. Dizem que, até então, não houvera um aventureiro que entrou e saiu com vida.
Já o terceiro lugar, Cíntia estava de frente para ele. A Floresta dos Mil Olhos. Onde acreditavam ser o lar de toda magia e de todos os espíritos. Aqueles que conseguiram voltar ficaram loucos, tirando suas vidas em, no máximo, três dias. Ficava localizado ao sul de Virditas e norte de Carbunculus, onde uma de suas pontas passava paralelamente ao caminho da guerreira. Mas o que era mais estranho era a atração que ela sentia por aquela floresta. Como se ela a convidasse para entrar e brincar em meio às copas escuras. Nunca conseguia entender.
E, naquele dia, não era diferente. Na verdade, o fascínio estava ainda mais forte, como se a empurrasse em sua direção. E, passo por passo, ela foi se aproximando. Até que, o cavalo, percebendo a sua insanidade, relinchou alto para chamar sua atenção. A guerreira foi forçada a sair do transe. Meio tonta, ela balançou a cabeça na tentativa de colocá-la no lugar. “Eu só posso estar ficando louca! Onde já se viu? Até o cavalo entende melhor que eu!” Porém, quando ela aproximou do animal e estava subindo na sela…
O grunhido! “De novo?” Desta vez, tinha certeza que vinha da floresta. Não havia outro lugar. Desceu novamente do cavalo e amarrou-o a uma grande pedra que estava por perto. E, andando calmamente, olhou para a copas das árvores, procurando alguma pessoa ou animal. No entanto, só tinha escuridão. Cíntia, por mais receosa que estivesse, não sentia medo. É como se previsse que algo ruim iria acontecer, mesmo assim, uma força maior que ela induzia a continuar. Estava hipnotizada. Perdeu o controle cada um de seus músculos. E, quando apenas restara uma pequena faixa de luz entre ela e a floresta, conseguiu soltar a voz:
— Tem alguém aí?
Novamente escutou o grunhido. E desta vez estava evidente. Vinha de dentro da floresta. Era ela que a estava chamando. Receou por um momento. “As lendas avisam para não entrar. Será que eu deveria?” Porém, antes mesmo de ter consciência de seus movimentos, ela esticou o braço em direção à floresta, cada vez mais perto, esticando seu dedinho mais comprido. E, quando percebeu, encostou o topo de seu dedo na escuridão…
Abriu a porta para as trevas. Vultos pretos, sem rostos, com corpos cercados de mantos tão negros quanto a floresta, a rodearam de todos os lados. Seu coração acelerou. Sua respiração ficou ofegante. O pavor fervia sob seus nervos. Estava sem voz. Não conseguia gritar. Em sua vida inteira, nunca esteve tão assustada. Essas sombras dançavam ao seu redor, enquanto Cíntia tentava recuperar o fôlego. Olhou em todas as direções. Elas eram tudo o que via. Gritavam um som tão agudo que pareceu que ia estourar os tímpanos. Estava tonteando. Seus olhos encheram de lágrimas. A força esvaíra de seus músculos, que pendiam fracos com seu peso. Caiu de joelhos no chão, chorando alto. Por fim, não conseguiu mais aguentar, e tirou seu dedo da escuridão.
Sumiram. As sombras simplesmente desapareceram no ar. A guerreira olhou à sua volta, entretanto, nada restara além dela e da floresta escura bem à sua frente. Não conseguiu entender. “Será que tudo foi fruto da minha imaginação? Isso realmente aconteceu?” Não sabia saciar essas dúvidas. Mas ainda sentia seu coração batendo. E, com o resto de adrenalina que sobrou, levantou, correu até o cavalo e cavalgou o mais rápido que podia, para bem longe dali…
Cíntia sentia as lágrimas rolarem pelo rosto. Estava sentada, encolhida, no banco do jardim do castelo. Relembrar tudo foi bem doloroso para ela. E, assim como no início, não conseguia compreender o que aconteceu. “Como vou superar algo que nem ao menos consigo explicar?” De qualquer jeito, o sol havia começado a nascer. Talvez a luz conseguisse apagar um pouco o medo que sentia em seu peito. Naquela noite haveria muito trabalho a fazer. Ela tinha que descansar. Então, levantou e foi em direção à sua casa. Quem sabe com uma cabeça mais relaxada, a general não conseguiria decifrar o que acontecera? Restava, assim, apenas esperar. Algo que havia aprendido a fazer muito bem.

Bárbara Kristina Generoso Cotta Lopes é natural de Governador Valadares, mas cresceu em Itabirito, local que ama e considera como sua cidade. Cercada por livros desde pequena, já havia se manifestado artisticamente no teatro e no balé, contudo, com a chegada de desafios, novos caminhos foram descobertos, o que fez com que entrasse de vez no mundo da literatura. Aos quinze anos começou a escrever, e aos dezoito publicou seu primeiro livro, “Os Sentimentos das Sombras”, o que a deixou apaixonada por essa área. Agora com vinte anos, possui dois livros publicados, além de grandes expectativas para o futuro.