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Porque A Arte Somos Nós

No mais recente trabalho de Ciro Guerra, adaptado do romance “Waiting For The Barbarians“, do escritor J. M. Coetzee, somos levados para o meio do deserto numa fronteira dominada por um Império sem nome, na qual uma pequena comunidade vive e sobrevive de forma aparentemente harmoniosa, mesmo estando constantemente alerta quanto a um possível ataque dos “bárbaros”. Toda esta paz é perturbada pela chegada das chefias do Império, sendo que durante quase duas horas somos desafiados a um jogo de ética, sadismo, e alguma paciência.

Tudo se inicia com um Magistrado honrado cuja comunidade o respeita, pois este sabe perfeitamente até onde pode ir com os seus ditos “inimigos”. Brilhantemente interpretado por Mark Rylance, este apenas se preocupa em tomar simples decisões burocráticas, funcionando como uma espécie de justiceiro nesta pequena comunidade: tal como decidir quem tem razão em ficar com um porco. O cenário é poeirento e cedo compreendemos a realidade pacata deste pequeno forte. Uma balança que é desequilibrada com a chegada da armada do Coronel Joll, uma performance sem água na fervura por parte de Johnny Depp.

Mark Rylance

A hierarquia de Joll desde cedo se faz sentir, chocado de frente com a passividade do Magistrado para com os rebeldes nómadas por esse deserto fora. O Império em primeiro lugar, e para o defender todos os métodos são válidos, desde que no fim se consiga obter sempre a verdade. Desde logo percebemos que os métodos utilizados pelo torturador Joll angustiam o Magistrado, que vê nos “bárbaros” homens inocentes.

Após o fim da estadia do Coronel, o Magistrado vê-se envolvido com uma rapariga que acabara de perder o pai às mãos da tortura britânica. De uma forma um pouco estranha e inócua, o personagem de Rylance ganha um sentimento especial pela rapariga (Gana Bayarsaikhan), revelando ser este uma espécie de carência numa vida recheada de solidão.

Desde a lavagem dos pés e tornozelos partidos à missão de devolver esta jovem vítima ao seu povo nativo, o Magistrado parece esquecer tudo à sua volta, contrariando a hierarquia e as ordens dos seus superiores em prol de um sentimento que é insuficientemente explorado pelo argumento. Apesar de apresentar uma certa poesia nas suas acções, esta relação é pouco intensa para o peso e destaque que carrega até ao final da película.

Gana Bayarsaikhan

Após a sua atribulada viagem, na qual a maior agitação que acontece é uma tempestade de areia, o Magistrado vê-se a ficar sem o seu maior desejo, voltando ao ponto de partida com uma desagradável surpresa. O Oficial Mandel, interpretado de forma branda por Robert Pattinson, mostra-nos uma espécie de discípulo do Coronel Joll, mas ainda com alguns ramos verdes. Com uma cultura pelo ódio ao inimigo e vontade em disseminar a histeria xenófoba, este vê no Magistrado um inimigo, prendendo-o e obrigando-o a assistir às capturas e torturas aos “bárbaros”. Um ato de violência psicológica e física que não passa ao lado do espectador mais ou menos sensível.

É precisamente neste registo que somos confrontados com a história de “Waiting for the Barbarians”. A obra remete-nos para uma página negra da história, na qual muitas vidas foram ceifadas de modo vazio e imprudente. As técnicas de tortura iam desde ossos partidos a olhos queimados. Preços bastante elevados na obtenção de uma verdade que nada mais era do que uma mentira que a outra parte queria muito ouvir. Curiosamente, ao longo do filme estamos constantemente em estado de alerta quanto a uma emboscada por parte dos “bárbaros”, mas, no fim, o verdadeiro inimigo esteve sempre ao lado dos que o combatiam – o próprio Império. A verdadeira emboscada nunca acontece (ou vejam o filme para confirmar…).

Ciro Guerra presenteia-nos com uma narrativa bastante lenta no seu desenvolvimento, demasiado tendo em conta o seu conteúdo. Contudo, isso permite-nos apreciar uma excelente fotografia ao longo de quase toda a obra. Isto acompanhado de um banda sonora subtil que nos transporta para as paisagens desérticas. A caracterização visual dos personagens e os cenários são também um ponto positivo, apesar de não ser suficiente para alimentar de uma forma mais rica uma história que se prolonga demasiado até ao seu desfecho.

Robert Pattinson

Tendo em conta os nomes no elenco, só consigo destacar acima da média Mark Rylance, pois carrega consigo todo o sofrimento, angústia e revolta desta história ao longo destas quase duas horas. Com uma grande entrega, faz de Pattinson e Depp atores praticamente secundários. Rylance salva um filme que toca de forma muito superficial em temas bastante profundos, tais como a colonização e a justiça. É verdade quem nem todas as obras podem ser geniais, mas por vezes sentimos que “Waiting for the Barbarians” foge a um certo peso de responsabilidade, não querendo criar uma espécie de sub-enredo que fugisse demasiado à luta pessoal que se revela pouco saborosa aos olhos do espectador mais exigente.

Em jeito de conclusão, o toque mais contemplativo de Ciro Guerra oferece uma imersão por vezes fantástica, mas esta tem de ser acompanhada de uma maior dinâmica a nível narrativo. Desta vez não chegou juntar um bom elenco de forma a enriquecer os personagens, pois aparte do já mencionado Mark Rylance, ainda não foi desta que Johnny Depp voltou a ter um papel realmente preponderante no seu comeback ao grande ecrã. A história é interessante, mas fica muito por contar.

Rating: 2 out of 4.

IMDB

Rotten Tomatoes

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