OBarrete

Porque A Arte Somos Nós

Jean Renoir viveu exilado nos Estados Unidos da América durante os anos da ocupação da França pelos nazis e os filmes que aí realizou não foram particularmente favorecidos pela crítica que, como diz Filipe Furtado (Contracampo, Revista de Cinema), na apreciação da sua obra, tem preferido “saltar” de “A Regra do Jogo” (1939) para “O Rio Sagrado” (1951). Porém, “This Land Is Mine” (1943) – “Esta Terra é Minha” em português -, foi um dos mais notáveis e populares filmes de propaganda política e ideológica produzidos nessa época de mobilização para a guerra contra o nazismo.

Às imagens iniciais, subjaz uma amarga e” irónica mensagem. Num grande plano, vemos um monumento erguido em homenagem aos soldados mortos na 1.ª Guerra Mundial. No seu pedestal, uma inscrição: “À memória dos que morreram para trazer a paz ao mundo”. No chão, no cabeçalho de um jornal abandonado, pode ler-se “Hitler invade”. No discurso dos seus promotores, a guerra iniciada em 1914 era “uma guerra para acabar com as guerras”.

Charles Laughton (Albert Lory) e Una O’Connor (Emma Lory)

Muitos discordaram disso e, para todos os efeitos, os planos seguintes revelam o fracasso desse alegado propósito. Tropas e carros militares ocupam o centro de uma povoação, o seu comandante dirige-se à Câmara onde o esperam as autoridades locais. O Presidente, depois de uma ligeira hesitação, com um tímido sorriso, aperta-lhe a mão. E a bandeira nazi é hasteada na fachada da sede do município.

Como se vive numa terra ocupada por um exército invasor? A reposta poder-nos-ia remeter para uma descrição naturalista do quotidiano dos habitantes daquela anónima povoação. As primeiras cenas parecem apontar nesse sentido, mas não era essa a opção de Jean Renoir e, rapidamente, o filme passa a focar-se nos dilemas morais que se vão colocar a um conjunto de personagens exemplares: Colaborar, procurando retirar o melhor proveito pessoal da situação existente? Adaptar-se, valorizando, acima de tudo, a segurança pessoal? Ou resistir, arriscando nisso a própria vida?

Ao contrário de outros “filmes de guerra” então produzidos, centrados no combate dos exércitos aliados contra os nazis, a obra de Renoir fala-nos sobretudo da guerra interior que se trava na consciência das suas personagens.

“This Land Is Mine” (1943)

Manville (Thurston Hall), o Presidente da Câmara, Georges Lambert (George Sanders) e os irmãos Martin, Louise (Maureen O’Hara) e Paul (Kent Smith), são as personagens-tipo que corporizam cada uma daquelas três opções. Tudo decorre num país não especificado, o que se compreende pois em qualquer parte do mundo, perante uma situação semelhante, haverá pessoas assim. E, como é referido numa passagem famosa de outro filme de Renoir, “A Regra do Jogo”, o problema é que “todos têm as suas razões”. Serão todas elas eticamente aceitáveis? “This Land Is Mine”, com uma intenção, assumidamente pedagógica, propõe-nos uma reposta para essa questão, assumindo-se como um magnífico manifesto a favor da liberdade e da dignidade humana.

Posto isto, a longa-metragem arriscava tornar-se algo abstrato, uma mera ilustração de uma disputa de ideias. E, de facto, a magnífica sequência do julgamento, onde Lory comenta os comportamentos de Manville e de Lambert, fazendo a denúncia que se tornou célebre dos homens “fortes por fora, mas fracos por dentro“, são reconhecidamente discursivas e retóricas. Porém, a ambivalência das atitudes de Lambert e da mãe e, sobretudo, a personagem do professor Lory (uma excelente interpretação de Charles Laughton) salva-o da queda num possível esquematismo, oferecendo-lhe uma maior complexidade.

Ao fazer de Lory, um homem tímido e covarde, ridicularizado pelos seus alunos e sufocado pela atitude protetora da mãe, um herói da resistência, o filme de Renoir mostra-nos que circunstâncias extremas podem fazer de “homens fracos por fora, mas fortes por dentro” os inesperados protagonistas da História.

António Cruz Mendes

Este texto foi publicado no site dos nossos parceiros Lucky Star – Cineclube de Braga, inserido na programação do mês de Setembro 2022. Contudo, um novo ciclo começou no final de Setembro e prolonga-se até final de Outubro. Este chama-se “Lugares Comuns”, e as sessões acontecem todas as terças e quintas-feiras do mês, às 21:30. Hoje, será exibido o filme de João Mário Grilo, “Vieirarpad” (2020). Os bilhetes têm um custo de 3€.

Programação de Outubro 2022 no Lucky Star – Cineclube de Braga

Se queres que OBarrete continue ao mais alto nível e evolua para algo ainda maior, é a tua vez de poder participar com o pouco que seja. Clica aqui e junta-te à família!

IMDB

Rotten Tomatoes

Leave a Reply

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

%d bloggers like this: