Existe algo particularmente curioso no ato de transformar algo benigno e saudável no mais inquietante indutor de pesadelos. Em “Smile”, a estreia em longas-metragens do realizador e argumentista norte-americano Parker Finn, encontramos um exemplo notório disso mesmo. Uma narrativa que utiliza o conceito do sorriso distorcido como premissa dos seus horrores enquanto trabalha matérias de foro mental. Arranjo que comprova com eficiência o facto de o sorriso ser capaz de cobrir emoções diametralmente opostas à felicidade.
À mercê destas convulsões está a Dr.ª Rose Cotter (Sosie Bacon), uma psicóloga clínica de Nova Jersey, nos Estados Unidos, que num prólogo repleto de tensão confronta Laura Weaver (Caitlin Stasey), uma paciente recém-chegada ao hospital. Rose demora o seu tempo a acalmá-la. Quando finalmente consegue estabelecer diálogo, Laura conta-lhe que vê uma entidade a sorrir para ela. “Mas não é um sorriso amigável, é o pior sorriso que alguma vez vi“, refere a própria em sobressalto.
A cena escala quando Laura, em pânico, exclama que o espectro está presente na sala. Rose perde o controlo da situação e corre até um telefone de emergência para pedir ajuda. Mas era tarde de mais. Num ato fatídico, Laura comete suicídio, rasgando a garganta com um pedaço de porcelana, à medida que a encara com o mais intenso dos sorrisos.

Naturalmente, segue-se a gestão do stress pós-traumático, que surge com adereços paranormais. Horas depois do episódio, Rose começa a experienciar eventos terríveis, para os quais não tem explicação. Aos poucos, a sua mente começa a deturpar, e com ela, o próprio filme. A saber: certas sequências começam a ser fruto da sua imaginação; alguns planos gerais manifestam-se do avesso (o céu está na base da tela, ao passo que as árvores encontram-se no topo); e certas pessoas esboçam-lhe o mesmo sorriso arrepiante que Laura tinha quando pôs termo à vida.
A sua paranoia acaba por refletir-se negativamente sobre quem mais gosta, espantando as pessoas que não estão preparadas para lidar com a imprevisibilidade e incoerência dos seus comportamentos. Neste tópico, “Smile” sublinha o isolamento progressivo de quem sofre de problemas mentais. Aspeto enfatizado pela interpretação conturbada de Sosie Bacon, que por via de maneirismos agitados e do mais empático dos desesperos, consegue figurar um templo de suplícios.
De certo modo, a forma sofisticada como Finn elabora os jumpscares também me fez atravessar o cabo dos tormentos. Na sua maioria, são imaginativos na elaboração e virtuosos na execução, para não falar da ótima cadência com que são apresentados – pelo menos ao longo do segundo ato. Se existe aspeto mais impressionante, é sem dúvida a composição musical do canadiano Cristobal Tapia de Veer, uma infusão de instrumentos de cordas com sintetizadores distorcidos e sons ambiente que criam um verdadeiro clima de ansiedade durante grande parte da sessão.

A trabalhar com um modelo narrativo herdado do marcante “Vai Seguir-te” (2014), que retrata uma maldição sexualmente transmitida, o desenlace da história não deixa, em última instância, de deixar um certo amargo de boca. Isto porque “Smile” acaba por revelar cinismo na forma como encara a possibilidade de recuperação da doença psicológica, mesmo quando a protagonista enfrenta os seus traumas (presentes e passados).
Além do mais, chega a castigar quem apoiou Rose apesar da sua frágil condição. Pode argumentar-se que esta cedência é reflexo das recaídas próprias dos transtornos mentais. Porém, num mercado – e género – tão sedento por sequelas, não consigo deixar de ignorar que essa pode muito bem ter sido a principal motivação deste frustrante desfecho.
Um passo em falso de um filme de terror sobretudo sólido, que oferece atuações empenhadas por parte de um elenco relativamente desconhecido e uma série de sustos convincentes. Consegue inclusive impregnar na memória um plano deliciosamente macabro de horror corporal, que prefiro não detalhar. O certo é que me assaltou com um misto de admiração e pavor. E é neste estado de graça que se começa bem outubro, ou, incidentemente, qualquer outro mês do ano.
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