Até há bem pouco tempo não tinha noção do desafio que é despejar alguém do seu lar, quer seja a nível físico ou emocional. Depois aconteceu “Eviction”, uma produção húngara com o título original “Kilakoltatás“. O Fantasporto é expert em mostrar filmes que dificilmente encontraríamos no nosso caminho, e nada melhor que esta comédia dramática escrita e realizada por Máté Fazekas, a sua primeira longa-metragem. Presente na exibição da sua obra, o cineasta deu o pontapé de saída classificando “Eviction” de “dramady“, um trocadilho de estilos onde a realidade do povo húngaro é posta à prova, burocraticamente falando.
Richard (Ákos Orosz) é um ambicioso oficial de diligências a quem finalmente entregam um caso de despejo, neste caso a trabalhar para a empresa do seu pai, uma casa onde vive uma senhora de idade que se recusa a sair. A senhora chama-se Ilona (Mari Nagy) e tem um filho a trabalhar num hotel, supostamente dono do mesmo (vimos a verificar que era apenas um empregado), tendo prometido a casa a este quando voltasse. Contudo, existe uma dívida a pagar, novos compradores interessados, um banco à espera de comissão, e Richard vê-se obrigado a pedir ajuda da polícia.
Ao início compreendemos que estas rotinas são algo usuais, pois as abordagens a este tipo de casos seguem sempre os mesmos parâmetros. O caso começa a escalar quando um grupo de ativistas, que defende o direito à habitação, faz uma corda humana e se recusa a sair da frente da casa de Ilona. Como consequência, uma equipa da polícia de intervenção é obrigada a atuar, retirando assim o grupo de frente da casa. Com uns toques de comédia e alguma intimidade, vimos a saber que uma das ativistas é irmã de Richard, Vera (Blanka Mészáros), tendo esta sabido deste despejo através do seu pai…

Quando tudo parecia ter pernas para andar, Richard vê-se obrigado a subir o tom de voz para com a senhora, levando esta a ameaçar tirar a própria vida, explodindo com a casa. Pertinente por parte de Fazekas abordar o desespero de alguém que não tem mais nenhum lugar para onde ir, mas, simultaneamente, a dureza de ter que lidar com este tipo de situações no “dia-a-dia”, pois Richard não estava a fazer nada de ilegal e, olhando a contratos, Iloda teria de aceitar ser legalmente despejada. Contudo, Richard revela-se um personagem consciente e altruísta.
Como tudo nesta vida segue burocracias, esta narrativa não é exceção. Após a negociação direta falhar, a polícia vê-se obrigada a falar com os seus superiores, trazendo uma equipa de negociadores, de forma a evitar uma eventual tragédia – por esta altura, já os bombeiros e uma ambulância precaviam um possível descontrolo da situação. No seu segundo ato, o filme consegue realmente expor, de forma bastante cómica, o absurdo deste tipo de situações, seguindo sempre os parâmetros da lei. A certa altura, já se haviam juntado à “equipa” um domador de cães, um veterinário do zoológico (que havia acabado de dar à luz uma girafa), uma equipa transportadora, enfim.
Nesse sentido, “Eviction” acaba por ter uma mensagem bastante universal, sendo a precariedade habitacional um problema que sempre existiu, e que tende a piorar com o aumento da pobreza nas classes baixas, sem descartar os possíveis interesses dos grandes grupos económicos. Fazekas não deixa também escapar a fragilidade da lei e a inércia dos seus agentes. Aquando da espera por uma ordem superior, uma sequência de planos mostram polícias a jogar às cartas com os ativistas, paramédicos a apanhar sol, bombeiros a refrescarem-se, e até uma agente municipal a assobiar para um pássaro (a sua verdadeira paixão).

A certa altura, numa das muitas tentativas de diálogo com Iloda, esta chama a negociadora de “cigana”, derivado à sua pele mestiça (que esta esclarece ser filha de mãe de raça branca e pai de raça negra), levantando alguma poeira relativa ao clima de discriminação vivido na Hungria, muito graças à liderança política estar encostada à direita. Entre outros apontamentos, o verdadeiro destaque vai para o character development de Richard, que através da sua inadaptabilidade àquela profissão e responsabilidades, destacou-se pelo seu lado humano, pela diferença na forma como este tipo de casos são tratados. A sua compaixão falou mais alto que quaisquer interesses.
Para primeira longa-metragem, penso que Máté Fazekas soube dosear bastante bem os pesos da comédia e do drama, este último mais pela realidade que retrata e não tanto por uma história brilhante. A banda sonora tem também um papel pertinente, com certas cenas a serem marcadas por ritmos repetitivos que adensam a carga emocional e a dúvida do desfecho da cena. O que parecia uma ação de rotina torna-se num caso importante na cidade, fazendo lembrar um pouco “Vida Moderna” (1967), de Jacques Tati, onde temos uma escalada cómica absurda baseada num dia de um personagem – a camisa suja e as calças rotas de Richard lembram-nos disso a cada 10 minutos.
Sem revelar o desfecho da narrativa, fico curioso pelo próximo trabalho de Máté Fazekas, pois mesmo a direção de arte estando a um nível simplesmente satisfatório e certas cenas poderem ter sido mais curtas, neste Fantasporto o realizador mostrou ter imaginação, consciência e, acima de tudo, saber contar uma história.
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