Depois de várias semanas a olhar para grandes lançamentos gaming, daqueles que geram meses ou anos de grande antecipação por parte do público (como o recém analisado “Horizon Zero Dawn” ou a mais recente trilogia “Tomb Raider“), fará sentido, nem que seja como limpa palato, dar também atenção a videojogos com uma quota de mercado mais pequena. Nesse sentido, “Snake Pass”, jogo lançado em 2017 pela Sumo Digital, merece a atenção de um público a quem os lançamentos indie poderão passar ao lado.
“Snake Pass” é um jogo de plataformas em três dimensões, uma designação algo abrangente e que poderá colocar o leitor desde logo a assumir várias características da jogabilidade. Como é regra geral dos platformers, é automaticamente inferido que grande parte do jogo está relacionada com a superação de obstáculos (estáticos ou móveis) que a personagem controlável terá que ultrapassar fazendo uso da movimentação, saltos e, potencialmente, de outros poderes. Contudo, o grande twist que o jogo coloca é o facto de o protagonista do jogo ser uma cobra coral e, como tal, não possui a possibilidade de saltar, ao contrário de praticamente todas as personagens de jogos de plataformas.

Por essa mesma razão, grande parte das ideias que o jogo implementa estão relacionadas com esta mesma restrição, construindo os desafios de plataformas preparados para o facto de a cobra (chamada Noodle) não poder saltar. O jogador, ao invés de níveis mais tradicionais, tem que manipular o corpo do réptil para navegar e escalar níveis altamente verticais, preso ao corpo de uma cobra.
Dado este contexto atípico, o esquema de controlos foi preparado para ser o mais realista possível (embora tenha alguma permissividade). O jogador apenas pode mover a cabeça de Noodle num espaço plano (embora o possa fazer a 360 graus), servindo este controlo para controlar a direção em que o jogador se pretende mover. Para complementar a movimentação, existe um botão próprio para levantar a cabeça de Noodle enquanto premido, útil para subir estruturas mais verticais. Usando estes dois botões, é possível direcionar Noodle para qualquer ponto num espaço tridimensional, premindo depois o botão respetivo de forma a cobra avançar na direção para onde a cabeça aponta.
Algumas consequências curiosas desta implementação surgem do facto de o jogador apenas ter controlo direto sobre a cabeça da cobra, mas tendo sempre que pensar no restante corpo que se segue, que também é afetado pela gravidade. Ao subir uma estrutura mais vertical, caso o jogador consiga ir movendo a cabeça ao longo da estrutura e criando tração e atrito sobre todo o corpo, conseguirá subir qualquer tipo de obstáculo. De forma similar, ao navegar em superfícies mais planas é necessário imitar o famoso ziguezague das cobras para ganhar alguma velocidade, obrigando o jogador a “pensar como uma cobra”.

O que faz “Snake Pass” destacar-se entre outros jogos da sua dimensão é precisamente o uso do corpo de serpente, que funciona ao mesmo tempo como o maior trunfo do jogador, assim como o seu maior inimigo. Quando analisadas outras dimensões do jogo, não diretamente relacionadas com a sua mecânica central, é possível identificar várias falhas graves e pontos que mereciam melhorias cuidadas.
Embora os 15 níveis presentes na história forneçam desafios exigentes, onde o jogador pode indiretamente ajustar o seu nível de dificuldade (dado que existem vários desafios opcionais, que o jogador pode ou não completar), um sistema de checkpoints extremamente hostil e uma câmara que muitas vezes dificulta a ação do jogador, fazem com que seja quase um martírio repetir secções ou voltar a jogar níveis do início. Da mesma forma, a vertente narrativa que dá suporte aos níveis é bastante simples, servindo apenas para cumprir os objetivos mínimos.
Se “Snake Pass” não é, de todo, uma obra-prima, ou sequer um jogo acima da média, porque valerá então a pena ser jogado? A resposta, embora possa não agradar a todos, é bastante simples. Como noutros meios de entretenimento, os videojogos estão assentes em géneros ou franquias bem conhecidas, que são construídas incrementalmente em cima dos lançamentos anteriores, fazendo uso de fórmulas já conhecidas. É, por isso, importante reconhecer trabalhos que fazem algo completamente diferente do habitual, rompem com aquilo que é esperado e, inclusive, ajudam o meio a encontrar novas direções. “Snake Pass” é um jogo divisivo, mas por vezes esse é o preço a pagar por tentar algo ousado.
Disponível em: Nintendo Switch, PS4, Xbox One, Windows
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