Depois de “ICO” – um jogo sobre a criação de uma ligação entre um rapaz e uma rapariga – e de “Shadow of the Colossus” – um jogo sobre o combate contra criaturas mitológicas -, o terceiro jogo dirigido pelo japonês Fumito Ueda, “The Last Guardian”, completa a tríplice por ser um jogo que retrata a criação de uma ligação entre um rapaz e uma criatura mitológica, chamada Trico (onde se pode considerar que até o prefixo “tri-” indicia essa mesma unidade entre os três jogos).
Em termos temáticos, o jogo está mais próximo de “ICO” do que “Shadow of the Colossus”, recaindo mais na exploração e resolução de puzzles do que no combate, que é mecanicamente simplista tal como o de “ICO”. A história é contada em forma de flashbacks por uma voz já adulta, que descreve a extraordinária aventura que teve enquanto rapaz. Um certo dia, o narrador conta que acordou no meio das ruínas de um castelo conhecido como “O Ninho”, ao lado de uma gigantesca criatura ferida e acorrentada, um ser em parte cão e em parte pássaro, pertencente a uma espécie fantástica que o rapaz conhece por ser inimiga dos humanos e a que estes chamam Trico.
Embora este Trico se mostre hostil, o rapaz, movido por compaixão, consegue remover as lanças espetadas no corpo do animal, retirar as correntes e alimentá-lo, uma atitude que dissipa alguma da hostilidade inicial que Trico apresentava. Depois de conseguirem sair das ruínas onde se encontravam, tanto a criança como Trico começam a explorar a área circundante e a perceber que se encontram no fundo de um vale, onde existem soldados fantasma e outras presenças sobrenaturais.

Para fazer face aos inimigos, “The Last Guardian” apresenta um combate que se situa num intermédio entre “ICO” e “Shadow of the Colossus” em termos de complexidade. A grande diferença para estes dois jogos (e para grande parte dos jogos que incluem um companheiro controlado por Inteligência Artificial) é que em “The Last Guardian” o rapaz não tem capacidade de lutar contra os soldados sombra, precisando da ajuda de Trico, maior e mais poderoso.
Ao contrário de “ICO”, onde a personagem controlável Ico era invencível e tinha que proteger a todo o custo Yorda, neste jogo é Trico que deverá proteger o rapaz, que morrerá se for levado pelos soldados fantasma. Trico é invencível e extremamente poderoso em combate, e, por essa mesma razão, o jogador sente-se na pele do rapaz, vulnerável quando está sozinho, mais forte quando tem Trico ao seu lado e quando este o salva dos inimigos.
Embora haja uma grande dependência de Trico por parte do rapaz no aspeto do combate, a relação entre os dois é de interdependência, pois é o jovem que consegue encontrar alimento para a criatura mitológica e acalmá-la após os confrontos. Adicionalmente, inúmeros espelhos vão aparecendo ao longo do jogo, objetos que causam pânico em Trico e que o rapaz tem que encontrar formas de destruir para ambos continuarem o seu caminho, apresentando-se nestes momentos os principais desafios de plataformas e de resolução de problemas.

Algo que pode ser considerado um investimento por parte da equipa de desenvolvedores é a tentativa de ‘vender’ Trico como uma criatura real e não como uma ferramenta programada e previsível. Isso é notório nas animações bem detalhadas e realistas desta criatura ou em momentos mais subtis quando a criatura mostra hesitação em saltar para a água. Mas, tal como muitas das grandes decisões, este objetivo da equipa trouxe algumas consequências altamente controversas. Estas polémicas estão relacionadas, sobretudo, com o facto de Trico não responder de forma imediata nem fidedigna aos comandos do jogador, que são feitos através do rapaz, por exemplo, apontando para onde Trico deve saltar ou chamando-o caso este fique para trás.
Em entrevistas, Fumito Ueda defendeu esta decisão, argumentando que a sua equipa poderia facilmente ter tornado Trico imediatamente responsivo, mas que essa decisão tirar-lhe-ia o estatuto de criatura independente e capaz de tomar as suas próprias decisões, uma das principais ideias que o jogo tenta transmitir. E de facto, esta falta de responsividade faz com que o jogador tenha que ser paciente, como se estivesse a lidar com o seu animal de estimação, aprendendo a perceber a linguagem corporal de Trico e os sons que este emite. Certas teorias entre fãs acrescentam ainda que a forma como o jogador interage com Trico pode aumentar a sua responsividade (por exemplo, alimentando-o ou removendo as lanças do seu corpo após os combates).

Ainda que tenha sido o menos bem recebido dos três jogos de Ueda, as críticas a “The Last Guardian” são bastante consistentes e unânimes. Entre os principais falhanços do jogo encontram-se, sobretudo, além da já referida polémica acerca da responsividade de Trico, problemas mecânicos como controlos desastrosos e com um grande input lag, física altamente inconsistente, ajudas condescendentes e impossíveis de serem removidas. Neste aspeto, é muito difícil, mesmo para fãs incontornáveis dos jogos de Ueda, discordar que “The Last Guardian” tem dos piores controlos dos últimos anos de entre os jogos do escalão AAA.
Com argumentos que têm tudo para suportar a tese de que o jogo foi um autêntico fracasso, a capacidade de mostrar a evolução da ligação entre o rapaz e Trico, por seu lado, contra-argumentam este estatuto e ajudam, paradoxalmente, o jogo a obter uma das melhores histórias de videojogos de memória recente, sobretudo por retratar uma relação que se desenvolve não através de diálogos ou de cutscenes, mas sim através da linguagem dos videojogos, o que atribui ao jogo um estatuto muito especial.
Pode, perfeitamente, ser considerado o jogo menos conseguido dos três do designer japonês (o que não é insulto nenhum, diga-se), embora se possa fazer o elogio de que no capítulo emocional talvez seja, dos três, aquele que mais se destaca.
Em última instância, “The Last Guardian” mostra que é um enorme desafio criar jogos com a capacidade de transmitir ideias e ao mesmo tempo manter o jogo uma experiência constantemente divertida e agradável. Este balanceamento é algo que Fumito Ueda e as suas equipas tentam atingir com todos os jogos que desenvolvem. A um nível mais subjetivo, tem que ficar a cargo do jogador decidir se cada um destes jogos tem ou não sucesso nesse encargo. Apesar de tudo, é extremamente refrescante ver que há criadores de videojogos sempre dispostos a tentar algo diferente.
Disponível em: PS4
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