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Como último livro da tetralogia do “Quarteto de Los Angeles”, “White Jazz” tem uma tarefa árdua, a de conseguir colocar um ponto final numa série muito preocupada em retratar uma faceta da cidade de Los Angeles, nomeadamente o funcionamento interno da máquina que é o Departamento da Polícia e todos os casos que a circundam. Para esse efeito, o escritor James Ellroy decidiu voltar à fórmula com que abriu o “Quarteto” e contar a história na primeira pessoa, usando o ponto de vista de um dos polícias do departamento.

O protagonista deste livro é o Tenente David Klein, ausente nos capítulos anteriores da série, um polícia veterano que trabalha nas horas livres como hitman do mundo do crime. Usando Klein como principal interveniente da história, Ellroy desconstrói o arquétipo de detetive das suas obras, tipicamente imaculados do ponto de vista moral e da lei, para fornecer aos leitores um anti-herói mais ambíguo e moralmente cinzento. A história raramente se preocupa em criar simpatia para com o Tenente, revelando o próprio (através dos monólogos internos) os seus podres, como assassinatos pagos, os seus serviços para Howard Hughes e Mickey Cohen, a corrupção dentro do Departamento da Polícia e até uma relação com cariz incestuoso com a sua irmã Meg.

Howard Hughes (1905-1976) foi um famoso empresário americano e um dos homens mais ricos do seu tempo.

“White Jazz” apresenta uma narrativa muito mais focada, no sentido em que restringe a atenção em poucos acontecimentos centrais e reduz as ramificações secundárias. O grande caso do livro começa com um assalto à casa de J. C. Kafesjian (conhecido por ser um traficante de droga que trabalha como informador para a Polícia), que Klein fica encarregue de investigar juntamente com o seu novo parceiro George “Junior” Stemmons, e que abre as portas para a teia de crimes e conspirações que circulam à volta dos estranhos elementos da família Kafesjian.

A outra grande linha narrativa diz respeito à continuação da oposição entre Edmund Exley e Dudley Smith, agora dois dos principais elementos do Departamento, mas subjugados aos papéis de personagens secundárias, depois de terem sido, respetivamente, protagonista e antagonista de “L. A. Confidential“. Sendo o livro que marca o final da saga, “White Jazz” tem a responsabilidade de fechar o máximo de enredos iniciados nos três livros anteriores (alguns dos quais atravessam mesmo os quatro livros), conseguindo fazê-lo com o mérito de não afastar a atenção da narrativa principal, quer colocando David Klein no foco dos acontecimentos, quer usando estrategicamente secções de transição com recortes jornalísticos.

Mickey Cohen (1913-1976) foi um famoso gangster de Los Angeles e uma personagem assídua nos livros do “L. A. Quartet”

Uma das principais críticas que se podem fazer a “White Jazz” (se é que a tal se pode chamar crítica) é o facto de ser o único livro do “L. A. Quartet” que não sobressai como uma história individual, pois exige quase obrigatoriamente que sejam lidos os seus antecessores para que (sobretudo) a secção final atinja o efeito emocional desejado.

Outro dos detalhes que sobressai é um enredo mais simples, sem o efeito arrebatador e explosivo de muitos outros policiais de Ellroy. Talvez por se centrar mais no seu protagonista em vez de nos casos que este tem de resolver, o livro se aproxime mais de um estudo de personagem do que de uma narrativa policial mais próxima do estilo plot-driven.

Ao longo de quatro excelentes livros, o “Quarteto de Los Angeles” consegue dar aos seus leitores quatro satisfatórias histórias acerca do mundo do crime americano do século XX, em particular entre as décadas de 1930 e 1960. Algo que é inegável a James Ellroy é a sua capacidade em criar esse retrato de forma plausível, realista e sempre passando a mensagem de que, embora sejam narrativas sobre um conjunto de pessoas maioritariamente fictícias, mostram algo assemelhado àquilo que terá sido a realidade desse período. Uma das melhores características destas obras é a capacidade em mostrar de forma obcecada um presente que dura até o livro terminar.

Talvez por assumir essa fixação com o presente, se sinta “White Jazz” como o livro menos extraordinário da série, por mostrar que Ellroy tem a perfeita noção que os mecanismos internos do mundo do crime nunca terminam nem se perdem, apenas se transformam.

Luís Ferreira

Rating: 3 out of 4.

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