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Na terceira história de qualquer saga, torna-se difícil para qualquer autor continuar a inovar e a apresentar ideias frescas. É por isso que “L.A. Confidential”, o terceiro livro da saga “Quarteto de Los Angeles”, de James Ellroy, fica marcado por ser o mais complexo e satisfatório policial da série da autoria do escritor californiano.

Mantendo a visão tripartida da narrativa, ensaiada com o predecessor “O Grande Desconhecido“, em “L.A. Confidential” são acompanhados de perto três membros do Departamento da Polícia de Los Angeles (LAPD). O primeiro é Edmund Exley, filho do famoso ex-detective Preston Exley. Tirando claras inspirações da personalidade analítica de Danny Upshaw de “O Grande Desconhecido”, Exley é, de todos os policiais de Ellroy, possivelmente o mais brilhante, inteligente e analítico dos protagonistas criados pelo autor.

O aspeto frio e pouco emocional de Exley ganha-lhe a antipatia por parte de Wendell “Bud” White, o segundo protagonista, um polícia agressivo e considerado um homem de “poucos miolos”, com uma fixação particular por homens que abusam de mulheres. Num ponto mais neutro está o terceiro e último protagonista: Jack Vincennes, uma espécie de polícia/celebridade que é consultor técnico numa famosa série de televisão policial e informador de uma revista de escândalos.

“L.A. Confidential” tem como inspiração crimes reais, como por exemplo o famoso caso do “Natal Sangrento”

Abrangendo um período que engloba quase toda a década de 1950, torna-se uma tarefa exigente resumir em poucas palavras os acontecimentos do livro. Ainda que todas as obras do “Quarteto” possam ser lidas e apreciadas isoladamente, em “L.A. Confidential” existe uma tentativa de premiar os leitores atentos da saga, seja através de um maior número de personagens que repetem aparições ou de linhas narrativas que abrangem mais do que um livro. Talvez o maior miminho que Ellroy deixou aos fãs da tetralogia esteja no prólogo, onde este tenta ao mesmo tempo fechar algumas pontas soltas do livro predecessor, mas também dar uma maior carga emocional aos acontecimentos que abrem a nova história.

Os dois livros anteriores da série focaram-se, respetivamente, em uma e duas investigações principais. “L.A. Confidential” possui uma mão cheia de casos que são tratados ao longo do livro, quase em simultâneo. Começando logo no prólogo com o caso do “Natal Sangrento” (inspirado em casos reais), passando por um massacre ocorrido num café, investigação em torno de pornografia ilegal e por outros casos de corrupção política, tráfico de drogas e prostituição. A história está construída para ser vista mais como um retrato de Los Angeles dos anos 50 do que como uma única linha narrativa, com início, meio e fim.

Apesar disso, Ellroy arranja forças suficientes para centralizar grande parte dos conflitos num só acontecimento e até dar respostas a casos que o leitor nem pensou que pudessem ser resolvidos. Numa reta final em que se torna quase humanamente impossível largar o livro, são continuamente apresentadas reviravoltas inesperadas, provando que Ellroy nunca perde o foco climático e que este segue à risca o princípio da Arma de Chekhov, ou seja, a lei que diz que todos os elementos presentes numa história devem ser importantes e necessários para a mesma.

“L.A. Confidential” foi adaptado ao cinema em 1997, filme realizado por Curtis Hanson (na foto, da esquerda para a direta: Guy Pearce, Russell Crowe e Kevin Spacey)

Depois de ler os primeiros três livros do “L.A. Quartet”, torna-se fácil argumentar que os policiais de Ellroy funcionam melhor quando narrados em múltiplas perspetivas e na terceira pessoa. A observação do mundo através de mais do que um par de olhos permite alguma variação naquilo que é mostrado ao leitor, ao passo que a narração na terceira pessoa permite sair da esfera individual dos protagonistas e apresentar detalhes e pormenores que os próprios desconhecem.

Ainda assim, sempre que necessário, em momentos de transição (que podem avançar a história em semanas, meses, ou até anos) são resumidos os acontecimentos através da apresentação de recortes de jornais, que permitem uma rápida assimilação daquilo que terá acontecido durante os referidos saltos temporais. Independentemente do estilo narrativo, a escrita de Ellroy mantém-se extremamente reconhecível, ajudando o autor a estabelecer-se com um dos marcos do estilo noir moderno.

Fica a nota para a adaptação de “L.A. Confidential” ao cinema feita em 1997 por Curtis Hanson, que conseguiu pegar num livro tão carregado de informação e cortar subenredos onde estritamente necessário para o bem do ritmo do filme. Mesmo para quem viu esta famosa adaptação ao grande ecrã (possivelmente a melhor adaptação a partir de romances de James Ellroy), o livro consegue trazer coisas novas e terminar a experiência com a mesma explosividade da de quem ainda não esteja familiarizado com a história.

Luís Ferreira

Rating: 4 out of 4.

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One thought on ““L.A. Confidential”: O ponto alto do Quarteto de Los Angeles

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