Sem o silêncio, o discurso não existiria. O que é interessante sobre o silêncio é que ele é construído socialmente. Em algumas culturas, o silêncio é visto como um comportamento aceite enquanto que noutras ele é interpretado como um símbolo de perigo. Pode dizer-se que o silêncio funciona como um espaço em branco, um lugar para a reprodução sonora, no entanto, esse espaço não é vazio.
Na definição mais comum do silêncio, sendo ele a total ausência de som ou sons, parte-se do principio que este é um fosso no qual nada existe, ou seja, um vazio; contudo, nos meios artísticos mais antigos, como por exemplo a pintura, escultura e literatura, é dado ao silêncio um papel fulcral, sendo ele o espaço existente entre o individuo e a obra-prima.
Este elo de ligação, se pode ser assim chamado, está mais a cargo do individuo que observa um quadro do que do artista; por exemplo, na pintura “O Grito”, de Edvard Munch, onde é representado o desespero, vê-se um homem com as mãos na cabeça a gritar, no entanto, não se ouve literalmente o grito, mas o grito pode ser ouvido na imaginação de quem o observa; com isto pode-se dizer que o silêncio do quadro transporta um som, não fisicamente audível, mas imaginário.
Esta experiência releva um silêncio cheio, com um grito neste caso, ou seja, o silêncio tem presente nele mesmo, de forma abstrata, o som do quadro. No entanto, isto só resulta se o individuo conhecer ou tiver noção do som previamente.

O silêncio equivale ao branco da tela na pintura, isto porque ambos significam o ponto de partida de uma pintura ou composição (tela em branco; pauta em branco), mas mesmo assim a tela não é um espaço vazio; visto que, o branco é a presença de todas as cores e ele próprio uma cor, o que realmente torna o quadro algo já preenchido, como acontece na pintura “White on White” de Kazimir Malevich, um retângulo branco num fundo branco. Se esta ideia for aplicada ao silêncio, tendo em conta que toda a composição musical começa a partir de uma pauta em branco, então o silêncio seria a presença de todos os sons e ruídos.
Já na literatura, o mundo silencioso funciona de uma maneira muito própria, visto que o acto de ler implica a reprodução de som, seja em voz alta ou silenciosamente (aquela voz dentro da cabeça), sempre com especial atenção para as entoações. Se o silêncio, na literatura moderna, for considerado um instrumento literário, o som (mais uma vez, imaginário) irá ter mais impacto do que na pintura, isto porque é possível representar sons através de palavras como acontece nas onomatopeias, o que enriquece o texto, dando ao leitor maior aso à imaginação, sendo ela visual e sonora.
O livro que melhor retrata este acontecimento é “Finnegans Wake“, escrito por James Joyce; neste romance experimental, Joyce faz um grande uso das onomatopeias; por exemplo, “The fall (bababadalgharaghtakamminarronnkonnbronntonnerronntuonnthunntrovarrhounawns kwntoohoohoordenenthurnuk!) of a once wallstrait oldparr is retaled early in bed and later on life down through all christian minstrelsy.” (JOYCE, 2012, p. 3). Nesta passagem, referente à queda de Adão e Eva do Jardim do Éden, o som da queda é evidente e transmite, quase de forma humorística, a ideia de trambolhões; e mais uma vez, esse som é ouvido de forma imaginária.

Citando Claude Debussy, “a música é o silêncio entre as notas“, musicalmente falando, o silêncio é parte integrante, visto que é escrito na pauta, sob o nome de pausa. Visto que todas as composições começam por ser escritas a partir do silêncio, o deixar a pauta em branco pode ser constrangedor e genial ao mesmo tempo, sem perder a noção musical. O silêncio é essencial para o ritmo e para o compasso, pois é o espaço entre as notas que define o andamento, por exemplo, se esse espaço for mais curto, então o andamento será mais rápido, ou seja, o tempo do silêncio define o ritmo.
A periodicidade, a base de som estruturada ou a repetição de intervalos regulares, é uma função das ondas e das vibrações. O silêncio torna-se estruturado pela ocorrência de som, como na percussão. Diferentes sensações de movimento do tempo no silêncio dependem tanto da função do silêncio, tal como os silêncios quase impercetíveis, ou sentindo o ritmo rápido de uma paisagem sonora selvagem, e a taxa de recorrência ao soar como uma estrutura para o silêncio. A matéria silenciosa compensa o som musical dentro da duração e, assim, estabelece a base pela qual o ritmo e a estrutura podem aceitar todos os sons, podendo esta ser privilegiada sobre a harmonia, passo, e timbre.
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