Deleite. Este foi o sentimento ao ler “A turma que não escrevia direito” (Editora Record, 2010, 390 páginas), de Marc Weingarten. O livro-reportagem versa sobre escritores iconoclastas que na segunda metade do século passado imprimiram a suas marcas pessoais no Novo Jornalismo, criando um estilo alternativo ao padrão do jornalismo de até então e muitas vezes utilizado até hoje, a do cliché “como, onde e por quê”.
Contextualizando, imaginem o público lendo extensas e verborrágicas reportagens onde o escritor estava inserido no centro da história, aventurando-se em novas abordagens, como a de acompanharem soldados em Saigon, na Guerra do Vietnam; em ser um dos selvagens motociclistas que impunham um novo estilo de vida e rebeldia, os Hell’s Angel; cobrindo eleições presidenciais assistindo ao jogo de interesses de perto; e temáticas inovadoras que logo caíram no gosto de milhares de leitores, sendo muitas destas reportagens praticamente livros que seduziram os leitores. Prémios Pulitzer e edições na mais prestigiosa casa editorial dos Estados Unidos, a Randon House, foram um marco desse período.
Vamos citar alguns destes iconoclastas jornalistas? Tom Wolfe, Gay Talese, Norman Mailer, Hunter Thompson, Joan Didion, entre outros. Personagens que ficaram famosos e fizeram dos seus nomes verdadeiras griffes estampando as suas reportagens nos mais importantes veículos de imprensa do país, como jornais e revistas. Lendo o excelente relatório de Weingarten, ficamos a saber do DNA de várias publicações, o dinheiro investido, o dinheiro obtido com a venda de publicidade, o número de assinantes que crescia e à medida em que a polémica abalava o conservadorismo cristão dos americanos, também alguns pedidos de cancelamento de assinaturas em represália.

O conceito básico destas brilhantes reportagens era permitir uma certa licença jornalística para fazer entrar a ficção de forma a embelezar mais a história. A objetividade fria e apregoada aos repórteres foi jogada por terra para que os monólogos internos e o extremado senso de provocação estivessem presentes na equação. Claro que com o final da década de 1970, quando se evidencia a enorme crise das publicações impressas, perdendo cada vez mais espaço para a televisão, esse novo jornalismo apela um pouco para o sensacionalismo, algumas vezes vazio, tentando recuperar o brilho dos tempos áureos. Mas em vão.
Faço aqui um recorte e avento à nossa época. Tristemente, o mundo líquido de Zygmunt Bauman com os seus apetrechos tecnológicos e o vaticinado por Umberto Eco de que a Internet havia dado voz a uma legião de idiotas, qual o real sentido de lermos reportagens robustas e interessantes em publicações impressas? Como “exército de um homem só”, e à frente da edição da revista cultural e literária Conhece-te, tenho sentido ultimamente, nestes 20 anos de estrada, ser um peixe fora d’água. Mas seguimos.
New Yorker. Esquire. Rolling Stone. New York Times. Somado aos nomes das celebridades repórteres, somos apresentados aos bastidores destas publicações, algumas das quais minguaram com o tempo. Leitura obrigatória para editores de publicações, “A turma que não escrevia direito” revela-se contraditoriamente como a revelação do bom ato da escrita, pois inovação é sempre preferível a sempre mantermos a monotonia nas nossas práticas jornalísticas e ficcionais.

Um livro no qual aprendi bastante, até de forma a dar algumas guinadas profissionais, e certamente ao fim fiquei com a sensação de que será uma obra a qual terei que voltar de vez em quando. Pois o intuito de aprender deve sempre permanecer connosco, e ainda mais quando nos emocionamos ao ver que órgãos de imprensa se dignavam a publicar verdadeiros livros, em artigos robustos com mais de 80 mil palavras, nas suas digressões, e provando que um dia os leitores foram mais atentos e cultos para consumirem isso, pois fica a compreensão de que a triste fragmentação de hoje nos soa faltosa.
Como meteoro que inovou e iluminou caminhos, e com a já aventada crise dos periódicos, esse legado permanece atestando identidades de notáveis autores e as suas consagradas marcas, espelhando a cultura e os costumes dos Estados Unidos da América. Marc Weingarten fez um brilhante jornalismo ao propor este livro, com notas estudadas e índice bibliográfico. Uma obra relevante e instigante!
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