“Dormiram em turnos, aqueles mais longos para Ovas Negrão, que tinha algum dinheiro aplicado na Bolsa de Valores. Loyola y Loyola pretendia investi-lo em ancoradouros ou loteamentos imobiliários; investiu, algum tempo depois, num entreposto de pesca. O negócio mostrou-se pouco lucrativo. Loyola y Loyola fez uma apólice de seguro, contratou os oligarcas da indústria do calçado para incendiá-lo; eles incendiaram a prefeitura do município por engano. Loyola y Loyola reiterou as suas ordens.
Desta vez, seguiram corretamente as instruções e conseguiram incendiar o entreposto de pesca. A companhia de seguros investigou o acidente e negou-se a pagar a indenização. Os oligarcas da indústria do calçado incendiaram então a companhia de seguros.“
Trecho do livro
“Malthus” (Editora Record, 2006, 95 páginas) é uma novela. Não é um livro fácil, embora curto e divertido. As personagens multiplicam-se num emaranhado de factos e cenários. Nada é muito claro para o autor, leitor, enfim, o nonsense aqui encontra lugar.
Com prefácio de Ivan Lessa (1935-2012), escritor e jornalista brasileiro, contumaz sátiro que ganhou notoriedade na Revista brasileira O Pasquim, que marcou uma época, para o qual Diogo tinha adoração, “Malthus” trata do intratável. O prefaciador tenta com brilhantismo jogar alguma luz, mas deixa o leitor confuso. “Malthus” faz referência ao famoso Thomas Robert Malthus (1766-1834), economista inglês que ditava uma teoria interessante a respeito das progressões aritméticas e geométricas da população e recursos da agricultura que ocasionariam com o passar dos tempos a escassez, uma vez que a população crescia mais do que a sua própria capacidade de gerir alimentos.
Refletindo sobre isso, somos sabedores que de vez em quando o planeta Terra precisa de respirar melhor, e friamente escrevendo, nada mais natural que numa guerra milhares sejam eliminados e até doenças ajudem nesse equilíbrio, com uma parcela da população a ser dizimada. Pode soar frio, mas é verdade. Pensando assim, até que a covid-19 não é de todo mau.

Diogo apresenta-se como um cidadão liliputiano (referência ao clássico “As Viagens de Gulliver“, de Jonathan Swift) e desfaz os novelos desta trama: com sagacidade e ironia, pernosticamente joga-nos na cara a nossa falta de jeito para lidar com os contrastes. As personagens equivalem-se, parecem “Macunaíma“, o herói sem caráter do polímata brasileiro Mário de Andrade (1893-1945). Mainardi, minimalista como ele só (na aceção de Lessa) possui um olhar ferino para com as coisas. Nada escapa ao seu apurado jogo de contradições.
A 1.ª edição deste livro é de 1989. Uma novela promissora e bastante febril. O seu autor superaria todas as expectativas com a sua corrosiva e voltairiana coluna na Revista Veja, quando foi um dos articulistas mais debatidos e odiados; a sua permanente e brilhante participação no programa de TV Manhattan Connection e editor da Revista Crusoé e do site O Antagonista. Retornando a este livro primeiro, é bom verificar o crescimento e o alcance do escritor, assim como as suas ideias. “Malthus” vale a pena ser lido, mesmo que contenha um emaranhado de ideias confusas. Segue mais um trecho e aqui me despeço, conclamando a lerem a obra.
“Trata-se de um assalto, aparentemente. Segundo informações iniciais, desapareceu um valioso porta-joias, contendo onças e onças de ouro em pó.
— Quem foi?
— No Deodoro da Fonseca, todos suspeitam de você. Pensam inclusive em denunciá-lo à polícia.
— Não fui eu.
— Eu sei que não foi você.
— Foi outra pessoa.
— Eu sei que foi outra pessoa.
— Quem foi?
— Fui eu. Eu que golpeei o Bainha Filho na cabeça e atirei o corpo dele ao rio.
— Onde está o porta-joias?
— Escondido na minha mala, escondido na minha cabina.
— Quero metade.
— Impossível.
— Caso contrário, denuncio o crime à polícia.
— Você não faria isso.
— Faria.
— Nunca imaginei que você pudesse fazer isso.
— Faço.
— É uma dificuldade com a qual eu não contava.
— Polícia.
— Estou extremamente arrependido de me ter confessado a você.
— Metade.
— Eu gosto de você.
— Eu também gosto de você.
— Impossível.
— Metade. Caso contrário, denuncio o caso à polícia.
— Pare de me ameaçar, por favor. Você vai acabar obrigando-me a golpear a sua cabeça com uma barra de ferro.“
Se queres que OBarrete continue ao mais alto nível e evolua para algo ainda maior, é a tua vez de poder participar com o pouco que seja. Clica aqui e junta-te à família!