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“Dark City” (1998) – “Cidade Misteriosa“, em português –, escrito e realizado por Alex Proyas, conta a história de John Murdoch (Rufus Sewell), que acorda, amnésico, num ensanguentado cenário de crime. Este inicia a sua fuga, uma vez que se apercebe que a polícia o persegue por suspeita de diversos homicídios. Perdido pela cidade, John fica confuso perante as características do universo em que está inserido: cidade da qual não se consegue sair, que permanece mergulhada na noite, e onde pessoas (tirando John) entram em estados comatosos em plena meia-noite, enquanto uma entidade – os Strangers – para o tempo e reorganiza o mundo à sua mercê.

Dr. Schreber (Kiefer Sutherland), por seu turno, surge como seu aliado na fuga, explicando-lhe a natureza desta entidade e o seu propósito no controlo da população, conclusões a que chegou através da sua colaboração diária com os Strangers. Desta feita, tendo em conta a sua lucidez perante o carácter inusitado da sua realidade e toda a escassez de controlo dos Strangers para com Murdoch, torna-o uma pessoa de alto interesse para com estas entidades sobrenaturais, que buscam, precisamente, em Murdoch a humanidade que eles não têm.

A comunidade de Strangers

De uma maneira geral, este é um filme que explora muito bem o espírito humano e a(s) força(s) que movem, verdadeiramente, a humanidade, mas que também esmiúça, e bem, a existência de uma entidade superior que designa cada ação e movimento, deixando pouco dos nossos destinos ao acaso.

De um ponto de vista mais técnico, visto que o motivo narrativo desta produção me parece altamente justificado, a verdade é que, mesmo tocando em alguns géneros, consegue ter uma elevação de qualidade sobretudo no seu registo maioritariamente thriller, pois é criativa a forma como todo o mistério desta realidade é adensado, através, particularmente, do carácter obscuro e sui generis dos já mencionados Strangers.

Sobre todas as questões que levanta, “Dark City” é um filme altamente poético e metafórico, na sua representação precisa e cuidada de uma vida humana em plena ilusão. Desta forma, a possibilidade de livre-arbítrio e de amar são praticamente inexistentes, a não ser por fugazes momentos, que jamais serão recordados.

“Dark City” é capaz, portanto, de oferecer uma equilibrada mistura entre visual e conteúdo, algo que nem sempre é fácil de alcançar. Assim, e uma vez que a grande inquietação dos nossos “vilões” tem na sua natureza uma forma também ela nobre, além de todo o seu processo de estudo, ao mudar as pessoas de profissão e tornando pobres em ricos, e vice-versa, mostra também que o filme é, todo ele, muito consciente nas mensagens que explora.

Dr. Schreber (Kiefer Sutherland) e John Murdoch (Rufus Sewell)

Abordando críticas um pouco mais frias, penso que este filme é um daqueles casos raros onde parece haver um certo vazio aquando do seu fecho, vazio esse de mais minutos de narrativa para “acertar” alguns pontos. Consegue fechar a cortina de uma forma meritória e com sentido, com a intensidade certa, ainda que se perca e se isole num registo mais repetitivo e genérico em finais de segundo ato.

Quanto às interpretações, penso que são bastante satisfatórias. A esposa de John, Emma Murdoch (Jennifer Connelly) imprime à narrativa uma beleza fora do vulgar, com um olhar que faz imortalizar muitas vezes sentimentos em pleno silêncio. Tem também um papel muito importante em fazer John recuperar o seu sentido humano-afetivo ao longo de toda a consciencialização que a situação exige e imortaliza uma cena em particular que leva John a uma espécie de redenção, em prol da sua segurança.

Por tudo isto e talvez por mais, “Dark City” consegue ser altamente criativo e, dentro das suas limitações (não pejorativo), consegue extrair, porventura, o mais complexo e interessante possível da sua jornada. Ainda assim, poderia ter ido mais longe, tornando o filme mais sério e com capacidade para se reinventar em certos momentos mais rasos. Uma obra onde a compreensão da nossa individualidade e daquilo que verdadeiramente somos se perde num fascínio repleto de carisma pela nossa humanidade.

Tiago Ferreira

Rating: 3 out of 4.

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One thought on ““Dark City”: A arquitectura da vida

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