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O filme “The Last Thing He Wanted”, da realizadora Dee Rees, conta com o estrelado elenco: Anne Hathaway, Ben Affleck, Willem Dafoe e Rosie Perez. Com uma duração de 1h55min, este drama suspense policial, que está disponível na Netflix Brasil, exige-nos atenção redobrada e o prévio estudo das relações internacionais praticadas pelos Estados Unidos no tráfico de armas para países da América Latina nas décadas de 1970, 80, via, acreditem, CIA. Se não tiverem um entendimento básico disso, correrão o sério risco de ficarem sem entender a película. Vamos destrinchar um pouco?

Elena McMahon, brilhantemente interpretada por Anne Hathaway, e aqui cabe um comentário para o amadurecimento como atriz dessa bela mulher, que consegue ficar feia e desarranjada na pele da sua personagem. Ela é uma repórter que trabalhou no terreno, cobrindo eventos de guerrilhas em El Salvador, Nicarágua, Guatemala e que agora está na redação de um grande jornal a cobrir a insossa reeleição da chapa Reagan-Bush. Mais um adendo: numa era pré-Internet, quando o que era veiculado ao grande jornal era a única referência a qual os políticos se importavam, como é saudoso (chega a ser nostálgico) observar as cenas do grande tumulto nos escritórios dessas redações.

Elena perdeu uma mama devido ao cancro e tem uma filha que está num colégio interno, sendo separada do seu marido. Perdeu há pouco tempo a mãe e tem um encontro num bar com o tresloucado pai, Richard (outra atuação estupenda de Dafoe). Entre amarguras e ressentimentos, ele leva tudo para a brincadeira, confidenciando à filha que está metido num grande negócio.

Anne Hathaway (Elena McMahon)

Quando fica doente e com lapsos de memória, passa à filha a complicada missão de levar (acreditem!) um carregamento de armas para guerrilheiros na América Central. A princípio estupefata com a missão, a repórter parte para os aspetos práticos da vida e aceita a tarefa, relacionando-se com negociantes inescrupulosos e com os chefes do narcotráfico e do comércio de armas.

Aqui somos convidados a viajar por países paupérrimos, com estruturas precárias e quando Elena entra na Costa Rica e tenta ficar clandestina, não se dá conta de que os bandidos sabiam de antemão que a capital San José tinha apenas dois hotéis para turistas. Ela sabe que está a vender armas de terceira categoria, que foram rejeitadas pelos militares nos Estados Unidos, como se fosse de primeira, fazendo os guerrilheiros acreditarem que estavam a fazer um negócio muito vantajoso. As cenas em que apresentam crianças e rapazes guerrilheiros armados até os dentes é tocante, e define exatamente a política destes países subdesenvolvidos.

Gosto deste tipo de filme que me permite viajar e conhecer lugares, e como desde jovem fui versado em Geografia, foi bom ter chegado à Antígua. Lá, um francês gay que gere um resort paradisíaco, mas sem clientes, recebe a nossa repórter-contrabandista e com diálogos superficiais sobre a existência, acaba por dar ar da sua graça.

E Ben Affleck? Bem, este é um caso sério. O seu personagem, Treat Morrison, é um agente do governo norte-americano, com boas ligações com a CIA e com os senadores, mas a sua atuação é pífia, sendo uma espécie de Ben Affleck de fato e gravata. Óbvio que sei que a caracterização do personagem pede essa sisudez, mas daí a ficar insípido e canastrão é notório.

Willem Dafoe (Dick McMahon)

Sei que a realizadora recorreu a este ator como um atrativo para trazer mediatismo ao filme, mas desconfio que, mesmo sem ser ator, eu desempenharia o papel melhor do que ele, bastando para tal vestir os finos fatos. A sua relação com a repórter é misteriosa e reveladora, sendo que chegam a fazer amor na América Central e nesse jogo do gato e do rato onde não dá para confiar em ninguém, surpresas acontecerem.

Sem querer contar o final, e não farei isso, fica apenas o registo dos interesses geopolíticos nebulosos pelos quais os mandatários manipulam a vida de inocentes que não sabem da missa a metade. É exemplar o facto de uma repórter se transformar em contrabandista de armas, mesmo que por uma questão familiar, e o cinema força demasiado ao dirimir os conflitos éticos de Elena. Mas o certo é que muito dinheiro sujo rola por fora, e esta película é um espelho exatamente daquilo que aconteceu na América Central, e desconfio que aconteçam ainda muitas negociações obscuras em diversas partes do mundo, afinal, o mercado de armas nos Estados Unidos tem de procurar sempre clientes para os seus produtos.

Um filme inteligente, bom de se ver, mas repito: é necessário bastante atenção e uma aula básica de geopolítica da década de 1980. Passada esta primeira etapa, a certeza de um melhor aproveitamento. O argumento deixa um pouco a desejar, mas a ação é garantida.

Marcelo Pereira Rodrigues

Rating: 2 out of 4.

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