Psicopata
Que ou quem sofre de psicopatia.
in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
Psicopatia
Designação genérica das doenças mentais.
Desequilíbrio patológico no controlo das emoções e dos impulsos, que corresponde frequentemente a um comportamento anti-social.
in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
Desde há algum tempo que tinha esta obra “congelada” para leitura oportuna, não por nenhuma razão em especial mas apenas porque ainda não tinha tido o apelo para que tal acontecesse! Tal veio a suceder quando li o artigo da Lorena Moreira, aqui no Barrete, em Agosto do ano passado, acerca do filme lançado em 2000, com titulo homónimo, despertando a curiosidade sobre, não só o filme, como a obra que ao mesmo deu origem, editada em 1991 e escrita pelo norte americano Bret Easton Ellis (Edição portuguesa da Marcador com tradução de Hugo Gonçalves).
Para que fique claro desde já, o filme produzido por Mary Harron em 2000 muito pouco tem, em substância, a haver com a obra literária. Compreende-se que não seria fácil adaptar ao grande ecrã um livro com estas caraterísticas, no entanto perece-me que foram esquecidos pormenores relevantes na caraterização do personagem central da narrativa, Patrick Bateman, que nos ajudariam a ter uma imagem diferente do indivíduo na ação e na compreensão da mensagem central do autor. Não se pedia que o realizador adaptasse as brutais cenas de chacina e sexo descritas na obra literária, no entanto também não é possível apagar pura e simplesmente os traços de personalidade da chave da obra que é Patrick Bateman por si só.

O contexto de “American Psycho” decorre em finais da década de 1980, numa Nova Iorque caraterizada por uma revolução de pensamento e comportamento espelhada na prosperidade de uma Wall Street em ascensão meteórica. O sonho americano em grande, a ostentação de uma cultura pop superficial e gananciosa sem olhar a meios. A cultura do eu tão caraterística no pensamento ocidental da época. O yuppie (aglutinação de young, urban e professional – jovem executivo, geralmente bem remunerado, dinâmico e ambicioso) que domina o meio social e projeta uma imagem de sucesso, seja ela de que tipo for e a que preço for.
Patrick Bateman é tudo isto, e muito mais! Enredado na obsessão da imagem, quer física, quer económica, e da aceitação social, misógino assumido, vive agarrado ao consumo de drogas e álcool, não tendo sequer necessidade de exercer na empresa de corretagem de que o seu pai é sócio, fá-lo apenas porque, como diz o próprio, “quero estar no meio“.
Aos 27 anos, Patrick depara-se com um problema difícil de resolver: perceber quem é e qual o seu lugar na sociedade em que está inserido, sendo empurrado para uma espiral psicótica que se reflete no seu desequilíbrio emocional em sociedade, criando uma vida paralela que apenas a ele faz sentido. Uma vida em que o sexo, o sangue e a morte estão latentes.
Bret Easton Ellis transporta-nos para este contexto com uma grande mestria, por um lado enfatizando uma narrativa que a determinada altura se torna obsessiva com a descrição permanente das marcas de roupa que usa, os restaurantes da moda em Nova Iorque, as ementas de 400 dólares, a cultura do físico, os diálogos patetas e despropositados ou os aparelhos eletrónicos e as limusines que tão bem inserem o protagonista num vazio existencial precoce. Por outro lado, descreve de forma crua e, porque não dizê-lo, agressiva, o lado negro de Patrick, ao relatar com um elevado grau de pormenor cenas que no melhor dos cenários são aterradoras!
O imaginário violento e sangrento de Patrick é levado ao extremo no seu desprezo pelo sexo feminino, por pobres e por quem possa fazer-lhe afronta. As cenas descritas pelo autor com maior ênfase, e também as mais horripilantes, dão-se com mulheres, o que viria a custar ao autor alguns amargos de boca por parte de movimentos feministas, acusando-o de desprezar o sexo feminino, mas que, como tão bem afirma Hugo Gonçalves no seu posfácio: “… não é um livro contra as mulheres, é-o antes sobre os homens que são contra as mulheres“.
Patrick Bateman não é um assassino, ou melhor, o próprio crê que é! A sua imaginação leva-o a acreditar que vive uma realidade paralela que a determinada altura se confunde com o vazio da sua vida real. Este apercebe-se do quanto está confuso e perdido na sua existência quando o seu advogado contraria a sua confissão quanto à morte do seu colega Paul Owen, que Patrick jura a pés juntos ter matado, dizendo-lhe que tinha jantado com ele dez dias atrás em Londres.
Esta é uma obra que continua atual. Mudam as marcas, os aparelhos eletrónicos, mas continuamos a viver agarrados ao dinheiro, às drogas, à violência, ao estatuto social, a um estilo de vida com aparência e ostentação, para além da própria violência que nos entra pelos ecrãs dentro. Patrick Bateman guia-nos na primeira pessoa nesta viagem como se de um filme se tratasse, descrevendo a deriva da sua vida em episódios ora reais, ora imaginários, mostrando-nos o quanto viver pode ser difícil. Não é um livro fácil nem florido. É um espelho daquilo em que o homem se tornou no contexto das sociedades contemporâneas e que terá, certamente, tendência a piorar.
A quem apenas viu o filme, aconselho vivamente a leitura da obra. A quem apenas leu a obra, o filme não passará de uma breve síntese da mesma. De qualquer das formas aconselho abertura da mente para abordar este trabalho, que em alguns trechos se apresenta de uma frieza e agressividade extremas. Só assim é possível compreender a génese conceptual do autor aquando da sua criação.
Boas leituras.
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