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O filme “Bem-Vindo a Marly-Gomont”, do realizador Julien Rambaldi, com os atores Marc Zinga, Aïssa Maïga e Bayron Lebli é nos apresentado como um drama comédia de 1h34min e está disponível na Netflix Brasil. A história verídica conta a vida de um médico recém-formado em Lille (França), tendo vencido vários obstáculos por ser um emigrante oriundo do Congo, hoje Zaire, em 1975. Após a formatura, Seyolo Zantoko (interpretado por Zinga) tem que batalhar pelo visto de trabalho de forma a permanecer em solo francês, sendo que a oportunidade aparece na pequena cidade de Marly-Gomont.

Quando ele liga para avisar a esposa, os filhos e demais membros da extensa família, é visto como uma piada. Isso devido à euforia dos parentes que acreditam que ele ficaria em Paris, e a esposa já antevê as visitas à Torre Eiffel, aos shoppings e a arquitetura linda da Cidade Luz. Custa ao médico tentar explicar que trabalhará mais a Norte de Paris e quando a família chega ao destino, a cara de deceção da esposa dondoca, mais as crianças são visíveis.

No meio do mato, somos apresentados a uma população racista e roceira, pois imaginem que o prefeito que contratou o doutor o havia alertado para o facto de que os cidadãos do lugarejo não haviam nunca visto um negro.

“Bienvenue à Marly-Gomont” (2016)

Resiliência. Essa palavra parece ser o mantra de Seyolo, que havia recusado um trabalho no seu país para ser o médico oficial do presidente da república, um ditador que não agradava aos preceitos éticos do nosso personagem. A adaptação das crianças à escola é dura: chamadas de macacos, “pretume” e acusadas de cheirarem mal, têm que ser bastante fortes para suportarem tamanhas humilhações. A esposa “solta a franga” respondendo “Desconjuro” às expressões das mulheres brancas da vila. E cliente que é bom nada para o doutor.

Numa das cenas em que Seyolo pontapeia o pau da barraca, no meio da estrada com o automóvel quebrado, é que recebe a boleia de um fazendeiro num trator e a cena por si só é engraçada. Este aconselha-o a tentar interagir mais com as pessoas, tentar ganhar a confiança da população aos poucos e tentar compreender a mentalidade do lugar. Ele dá mais um passo e é admitido no único bar para jogar dardos e começa a beber um intragável conhaque.

Vai-se relacionando aos poucos e é admitido como cliente, mas longe de passar a credibilidade aferida a um médico. A coisa fica tão séria que ele, observando o consultório entregue às moscas, tem que se desenrascar e trabalhar como ajudante do fazendeiro, cuidando das vacas.

Cenas que apresentam diferenças culturais são hilárias nesta película, como os familiares que chegam à vila para visitarem o médico e a esposa e, além dos adereços multicoloridos tão bem característicos de países africanos, chegam a fazer bastante barulho na única pracinha da aldeia, exatamente no momento em que os residentes estavam circunspectos hasteando a bandeira de França e cultuando os soldados mortos nas guerras mundiais. O constrangimento do médico negro é visível, tentando este controlar o incontrolável. Mais para o fim, quando os familiares aparecem para uma missa de Natal, logo destoam cantando um estilo gospel para assombro, primeiro, e entusiasmo, depois, sendo que o teclista tem que se virar para acompanhar o ritmo.

Marc Zinga (Seyolo Zantoko) e Aïssa Maïga (Anne Zantoko)

Como já era de esperar, o doutor e a sua família conseguem vencer os preconceitos e após uma eleição municipal, onde o candidato opositor certamente o despediria, com a reeleição do atual presidente as coisas resolvem-se e após um parto onde uma senhora não aceita a ajuda de Seyolo, o certo é que os seus insultos servem para expelir a criança e dessa forma clientes e mais clientes admitem enfim que teriam sim um doutor negro na sua pequena cidade.

A filmagem das cenas do jogo de futebol onde a sua filha arrasa com os adversários poderia ser melhor apresentada, uma vez que mostra os seus quatro golos, com um guarda-redes que é mais frangueiro do que um aposentado reumático de 70 anos. Mas é divertido.

Narrado pelo seu filho que reverencia o pai após o seu concorrido funeral, a história encanta e emociona, fazendo-nos acreditar que nos últimos anos a França e grande parte da Europa avançaram bastante na aceitação dos imigrantes, mesmo que à custa de alguns preconceitos e incompreensões. Um filme retratado numa célula de uma família negra é interessante, pois observamos um déficit, sendo que aludir apenas ao filme “Black Panther” (2018) é pouco. “Bienvenue à Marly-Gomont” encantou-me pela simplicidade e abrangência, e de modo a relembrar algumas passagens da minha infância, quando residia numa zona rural. Vale muito a pena conhecerem a saga desta ilustre família congolesa.

Marcelo Pereira Rodrigues

Rating: 3 out of 4.

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